SERTÃO DOS CACTOS

Antonio Machado

Gênios são aqueles que melhor que ninguém, sabem imprimir nas artes e nas escritas verdadeiros valores que se eternizam no tempo no resgate da história como luminárias na perspectiva do futuro.
No quesito folclore nordestino sertanejo, dentre tantos valores e gênios de que o Brasil está permeado, sobressai-se Luís de Câmara Cascudo (1898 – 1986), verdadeiro êmulo da cultura nordestina, notadamente, a sertaneja que tanto encantou a tantos.
O folclore é tirado dos costumes do povo, no linguajar regional, que se muitas vezes, não frequentou a escola e muito menos uma faculdade, mas tem dentro de si “a sabença” nativa, porque nem só dos livros vem o saber, como sabiamente, escreveu o imortal Ariano Suassuna (1927 – 2001), “meu saber veio mais da sabença do povo, do que dos livros”.
É neste sertão de tantas coisas bonitas e feias também, das grandes secas, hoje cognominadas de estiagens, quando na realidade dos fatos, entre a estiagem e a seca existe grandes pontos divergentes e que precisam ser analisados minuciosamente, sendo assunto para outro artigo. Câmara Cascudo na sua obra fundamental, Fundamentos da família sertaneja, escreveu: “o sertão foi povoado do século XVII para o correr do século XVIII, por gente fisicamente forte e etnicamente superior”. Neste relato sucinto deste sociólogo sertanejo de boa têmpera, ele demonstra a força e a pujança do homem misturado aos cactos da terra e aclimatado as intempéries da natureza na sua caminhada milenar, calcinada pelas grandes secas que marcaram a história desse povo bravo, mas carregado de esperanças.
Muitos escritores emergidos deste solo adusto souberam deixar em seus escritos e obras que escreveram nas pegadas da existência, outros viveram momentos e fases em suas vidas que os anos não apagaram, a exemplo de Graciliano Ramos em Vidas Secas, Adalberom Cavalcante Lins em Coquetelismo do Sertão, a saga de lampião está atávica as secas sertanejas refletidas muito bem nos escritos imortais de Valdemar de Souza Lima e Bezerra e Silva, que são peças vivas do cangaço, seca, crendices populares, que permeiam nosso folclore com tantas lendas, com as festas juninas, reisados, fogo corredor, adivinhações, os bailes onde todos são cidadãos, as iguarias típicas, a zabumba e o som da sanfona, irmanando-se no aconchego dos corpos no compasso do pé. Tudo isto é sertão de carne e osso.
Na franja da serra, nas manhãs sertanejas, sente-se o orvalho que a madrugada deixou na relva que refresca o pé, mas não molha, e lá nas pedras grandes colocadas adredamente pela natureza, tal qual as pedras das pirâmides egípcias, nascem os cactos que florescem num ambiente quase inóspito e hostil, mas que brotam flores que evolam perfumes que inebria, é o “frasco de cheiro” mais cheiroso do sertão, sem a contaminação da mão humana, panorama este do sertão dos cactos que tem inspirado tantos poetas e prosadores com suas rimas bonitas e jocosas, a exemplo do poeta Leandro Gomes de Barros (1868 – 1918), em Suspiros de um sertanejo, escreveu esta décima: “morro e não me esqueço / de tudo que encerra / esta santa terra / meu sagrado berço / meu sertão de apreço, / solo abençoado / hoje desterrado, / me vejo proscrito / arrancando um grito / de um peito cansado”.

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