Antonio Machado
A natureza dentro de seus caprichos imutáveis, deixa muitas vezes os homens sem entenderem seus desígnios, porque é lei divina, é lei de Deus. Liturgicamente, dentro dos cânones da igreja católica, a quarta feira de cinzas, abre o ciclo quaresmal para os católicos, estendendo-se por uma quarentena perfazendo um total de sete semanas seguidas, fechando com domingo de ramos que abre a semana santa com a entrada triunfante de Jesus em Jerusalém rumo ao seu calvário e culminando com a Ascensão do Senhor, e em todo esse período a igreja revesti-se de roxo, que simboliza tristeza, piedade, conversão, dentro dos ditames bíblicos que preceitua: “tu és pó, e em pó te tornarás” com esta admoestação, os católicos vivem sua quaresma.
Num lado oposto, vivem as cigarras nas copas das arvores sempre às escondidas, procurando ocultar-se dos predadores, mas só cantam na quaresma com canto alto e estridente, dizem os poetas que elas cantam até morrer, deixando a carcaça na árvore. Seu canto não é agoureiro, dizem que indica sol, os gregos nas suas experiências milenares, diziam que o canto mavioso da cigarra, provoca sono, Homero dizia que o canto das cigarras era comparado a doçura dos lírios. Esses insetos pequenos existem em quase todo o mundo, mas no Nordeste eles só cantam na quaresma, passam o ano todo caladas e disfarçadas entre folhagem das arvores e em silencio, cantam sempre em dueto, vê-se nos fins das tardes sertanejas nas copas dos Angicos, Caraibeiras, Catingueiras, Pereiros as cigarras cantando num tom agudo e bonito, constituindo-se na orquestra da natureza no fechar da tarde, mas no cair da noite esses seres divinos, recolhem-se silenciosamente, pois são inofensivas, são os contrastes da natureza, enquanto os humanos, revestem-se de tristeza no período quaresmal, a cigarra canta seus males em louvor ao Criador. Com as trovoadas que permearam a região sertaneja, as árvores fazem um show à parte, nas árvores com suas múltiplas florações e folhagens formam tapete verde que emoldura a paisagem sertaneja, e nas franjas das serras, na curva das estradas, as cigarras completam essa beleza sem igual. O grande poeta Castro Alves escreveu: “a natureza é um livro aberto, que Deus do alto escreveu”.
Olegário mariano (1889-1985), considerando o grande cantor das cigarras, escreveu uma obra prima sobre esses seres, intitulado de Últimas cigarras, em 1.913, que dado seu conteúdo teve repercussão nacional. No trivial da vida que passa com pressa, muitas vezes, os homens não conseguem ver as belezas da natureza hoje tão vilipendiada pela ação depredadora do próprio homem.
Sempre que escrevo sobre as belezas que enfeitam o sertão de minha terra, recorro ao poeta sem métrica, Colly Flores, que me auxilia com sua poesia, às vezes até sem graça, mas enfeita, como esta décima, que ele escreveu lá do Pedrão, assim: “Vi as cigarras cantando/na copada do Pereiro, /na várzea do gameleiro/ fiquei em baixo escutando,/ a tarde ia findando/ no aboio dolente do vaqueiro, / que em seu cavalo ligeiro/ trazia o gado do Val/do meio o matagal, /dos baixios e oiteiros”.
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