Vida e economia

Adriano Nunes

Pôr desde o título a vida à frente da economia tem um significado simbólico e concreto: a vida precede a economia. Precede qualquer relação ou manifestação humanas. Sem vida não há economia. Aqueles que tentam inverter essa situação de precedência querem inverter, talvez, até mesmo o surgimento da vida no universo. Só os demagogos, os retóricos, os falaciosos, os ideólogos procuram dar um valor à vida dependente a priori da economia. A economia pode até afetar a vida, mas sempre a posteriori.

Então devemo-nos perguntar: por que em uma situação de risco de morte, como a que se apresenta com a pandemia do coronavírus, muitas pessoas estão mais preocupadas em salvaguardar mais a economia, como se esta precedesse a vida? Por que isso acontece? Por que discursos, práticas e ações estão tentando convencer-nos de que é preciso salvar a economia ainda que muitos morram? Por que tais discursos procuram evidenciar que os idosos são o grupo mais vulnerável?

Essa questão não tem nada de economia, em verdade. Por trás do discurso econômico, oculta-se um outro discurso: o do poder e de campos de domínio. Dizer isto significa que a proteção à economia é um pretexto para que se estabeleça um limite social óbvio: o trabalhador/empregado precisa compreender que é um ser dependente da "boa economia", isto é, quer-se ideologicamente socializar o trabalhador para que ele aceite o fato de que a sua subsistência depende da economia e, portanto, a sua vida, revertendo assim o valor social entre vida e economia: põe-se a economia como fonte da vida. Uma falácia perigosa, claro!

Ainda que a economia seja muito afetada pelo isolamento e pela quarentena, certamente será muito mais se não houver gente para fazer com que a economia exista. Isto é, a economia não existe sem corpos vivos, sem pessoas que saudavelmente possam exercer funções sociais. Dizer isto significa também que preservando as vidas das pessoas, o dano causado à economia é indubitavelmente menor. Uma economia pode ser restabelecida, ainda que a duras penas. Uma vez perdida uma vida, não há como recuperá-la. Mas há um outro ponto mais sério.

Quando se soube da epidemiologia do vírus, de suas ações e danos, constatou-se que idosos eram o grupo de vítimas preferencial. Ora, essa era a carta na manga que os que pensam o mundo somente em termos econômicos queriam. Como os idosos praticamente não contribuem (pensam aqueles!) com força de trabalho ativa para a elevação das variáveis positivas da economia, então esses não têm importância social (numa formulação utilitária covarde) ante a massa de jovens e adultos. Pura barbárie! Os idosos têm uma função social inestimável de valor digno para a civilização. Preservar a vida dos idosos é preservar a humanidade in totum e tudo o que ela representa. É uma forma de gratidão e compaixão. O mundo existe graças a eles. Com Caetano Veloso bem diz: "o homem velho é o rei dos animais". Nenhuma arte, nenhuma relação e atividades humanas precedem a vida, muito menos a economia.



Adriano Nunes

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