Notas sobre o fascismo

Adriano Nunes

Todas as vezes em que vejo a extrema direita fanática e os liberais incultos e enfeitiçados pelo bolsonarismo, atacando autores tidos como de esquerda, como Paulo Freire, Michel Foucault, Adorno, entre outros ou, por exemplo, compactuando com ataques a jornalistas e à imprensa livre, ou ainda, o que é mais grave e sério, defendendo teorias anti-humanas e discriminatórias, para saciar uma Wille zur Macht, lembro-me de um fato nefasto e intrigante. Vou convidar todos e todas para voltarmos a 1934, na Alemanha do NSDAP, chefiada pelo Führer Hitler.

Nesse ano, ocorre um acontecimento cruel e violento. Hitler ordena que sejam executados Ernst Röhm e outros membros da SA, considerados adversários políticos. Nada surpreende, neste sentido, quanto ao ato de Hitler. Logo após o incidente, um dos grandes intelectuais, professor de Direito, jurista aclamado, Carl Schmitt publica um artigo em que afirma que o ato de Hitler foi "em si mesmo a mais alta justiça".

O pior ainda estava por vir. Em 1936, Schmitt fez uma conferência intitulada "Jurisprudência alemã na luta contra o espírito judeu" (ver em Deutsche Juristen Zeitung, de 15/10/1936 pp. 1193-1199). Impregnado pela ideologia nazista, ele, nesse seminário, defendia que as obras judaicas deveriam ser expurgadas, excluídas de escolas, universidades e bibliotecas. Mas não só! Ele exortava os colegas alemães a não citarem, em suas obras, autores judeus. Dizia: "um autor judeu para nós não tem autoridade".

Pouco? Ao fim do seminário, ele citou frases de Hitler: "ao repelir os judeus, eu luto pela obra do Senhor". Pergunto criticamente: por que os que praticam maldades, executam violências várias, promovem perseguições creem que estão fazendo algo em nome do Senhor? Por que se convencem disso como um ato de fé? Por que procuram justificar as suas arbitrariedades e violências através de um ente metafísico, para livrarem-se de responsabilidades fatuais? Coincidências com a atualidade brasileira?

O que, frequentemente, temos visto é que os fanáticos e os falsos liberais, sob certa perspectiva, vêm defendendo ações símiles e justificam ou tentam justificar isso como uma missão religiosa ou ideológica de combate, seja pondo Deus acima de tudo e todos, seja afirmando que as pessoas precisam conhecer a verdade (a dos extremistas?), seja conclamando o séquito de massa emotiva e acrítica a atacar autores tidos como de esquerda ou pessoas que são tidas e identificadas como esquerdistas.

Os argumentos costumam ser que a Academia é esquerdista. A cultura é esquerdista. As artes são esquerdistas. A intelectualidade é de esquerda. As ciências são de esquerda. Que a esquerda é comunista, e que o comunismo é o grande vilão a ser não só combatido, mas destruído. Ou seja: quem não compactua com o bolsonarismo é esquerdista. Esses atos e ditos fanáticos lembram-me ainda de Mussolini, em seu Discorsi del 1929, feito para a Câmara dos Deputados, em 13 de maio: "o Estado fascista afirma seu caráter ético: é católico, mas acima de tudo é fascista". Ou ainda Heidegger hipnotizado pela ideologia nazista afirmando que "existe uma perigosa rede internacional de judeus" (com base em notícias falsas propagadas pelos nazistas! As famosas fake news!), como tem afirmado um bando de fanáticos perigosos a respeito de inimigos imaginários. Ou Heidegger mais uma vez dizendo a Jaspers que "a cultura não importa".

Enfim, Mussolini como cereja do bolo. Em 22 de dezembro, em seu Discorsi del 1928, feito para o Conselho de Estado, o Duce diz que "o fascismo devolveu ao Estado as suas funções soberanas ao declarar o seu significado ético absoluto, contra o egoísmo das classes e categorias". Alguma semelhança?


Adriano Nunes

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