A elite inculta brasileira e o seu filisteísmo prêt-à-porter

Adriano Nunes

Não queria voltar ao tema do desembargador aqui. Já está muito clara a sua postura autoritária, abusiva, vexatória, discriminatória. Todavia, há um outro traço além daqueles dos protótipos "sabe com quem você está falando?" e do jeitinho brasileiro (na hora em que ele liga para tentar burlar uma regra, por "conhecer" alguém que poderia facilitar esse drible normativo). Há algo podre, enraizado em boa parte das elites brasileiras: o filisteísmo. Aquele tipo sobre o qual já escrevi, há bom tempo, criticando um jornalista e o seu desprezo pela música sertaneja. Aquele filisteísmo que Hannah Arendt denunciou bem. A cultura da superficialidade, da farsa intelectual, da ostentação de uma cultura clássica e abrangente que não possui. A vontade de ostentação homérica de títulos e tins e bens e tais, que não tem muitas vezes.

Vou ser sucinto: quando o desembargador, após a exposição do guarda municipal atestando ser o magistrado "mais esclarecido do que todo mundo" ali, responde ironicamente com um "óbvio!" e, a seguir, para demonstrar que é "esclarecido" passa a enrolar num francês de quinta categoria, anunciando que dá aulas na Sorbonne, sem usar o verbo adequado, gaguejando em busca de um vocabulário que não tem, misturando então francês e português, tal fato evidencia o pior dessa ambição inalcançada e dessa mediocridade intelectual que assolam as elites.

Gostaria de, aqui, tecer uma crítica e um comentário acerca do conceito de “elite”. Concordo com Antonio Cicero quando ele afirma que “em política, a imprecisão conceitual só serve aos oportunistas”. O termo "elite", nas ciências sociais, surge nas obras de Vilfredo Pareto e de Gaetano Mosca, como uma tentativa de substituição ou mesmo de melhoramento crítico-conceitual ao termo marxista "classe dominante". Todavia, há alguma imprecisão a priori no termo quando não bem especificado, adjetivado, quando não aplicado com limites precisos para evidenciar o fato social a que se pretende referir, isto é, o uso do termo "elite" se vulgarizou a serviço das ideologias. Tem-se confundido até classe média com elite, por exemplo. Uso-o no sentido de algum grupo ou classe que detêm capital financeiro elevado (poder econômico) e/ou poder político capazes de influenciar ou impor vontades e/ou decisões verticais (de cima para baixo) na vida social, não se confundido com as classes ou grupos que sofrem direta ou indiretamente os efeitos desses poderes, logo as elites não se confundem com as classes médias e as classes baixas.

Esse não é o tipo de comportamento restrito à certa parte das elites financeiras. Tal filisteísmo é presente nas universidades, na Academia, em diversos setores e esferas da sociedade brasileira. Esse filisteísmo, que se quer bem comportado e culto, usa e abusa da imposição do medo, lança sobre o outro a explicitação de um poder (a carteirada, por exemplo) que tem ou pensa ter para distinguir, rebaixar, humilhar. Como bem Norbert Elias assinalou, "como a administração dos medos humanos é uma das mais importantes fontes de poder das pessoas sobre as outras, uma profusão de domínios se estabeleceu e continua a se manter sobre essa base". O guarda municipal não se submeteu a esse domínio arbitrário do filisteísmo, não teve medo. Será mesmo que, com esse francês tupiniquim, ele ministra aulas na Sorbonne?


Adriano Nunes

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