Blogs: O Natal de Seu Hermídio, de Breno Accioly

Cultura

Por João Neto Félix Mendes - www.apensocomgrifo.com

Lembro-me numa memória que me conta o meu Natal de nove anos. Era um Natal possuindo todas as cores do mel, bem como todos os possíveis desenhos das nuvens, e não lhe faltavam, apesar de toda essa riqueza estratosférica e marítima, as vozes da Nau Catarineta se arrebentando na amplidão de adeuses, sempre comoventes.

O Natal do bairro da Levada da sonolenta Maceió possuía manjedoura, além dos três Reis Magos, e a ele aderiam caixeiros, gigolôs, seminaristas, mulheres de cinco cruzeiros, viúvas, investigadores, Juízes, Cônegos, Desembargadores e doidos ficavam escavando as cavernas das ventas com que lâminas de unhas emporcalhadas, quando não soltavam palavrões, faziam gestos obscenos com as mãos, os dedos, os punhos, as línguas. Isso aconteceria em Maceió, mesmo pobre apesar das riquezas de Nau Catarineta, apesar dos berros dos instrumentos de uma banda de música lembrarem furiosas gargantas de crianças em férias.

Não havia Nau Catarineta nem Banda de Música no Natal de Sant'Anna do Ipanema, tampouco aqueles cestos subindo pessoas na Roda Gigante. Havia, no entanto, o Presépio de "Seu Hermídio", um artesão que obumbrava o prestígio de Pe. Bulhões, porque era ele o maior homem do Natal. Pe. Bulhões perdia de longe para Seu Hermídio, não porque a casa de Seu Hermídio possuísse uma sala que podia ser comparada a uma nave, de tão grande, mas pelo motivo de Seu Hermídio viver de canivete nas mãos, esburacando palmos e palmos de madeira, talhando, dando formas de imagens a toros que eram trazidos dos montes nos ombros de jumentos, na cabeça de biscateiros encachados e pornográficos. A matutada gostava de Seu Hermídio, outrossim as crianças, que aprendendo a falar logo balbuciavam "Sê Hermidi"- tão vasto como um rio, tão sozinho como um caramujo, tão impenetrável qual o mistério da morte.

Todos desconheciam o motivo por que Seu Hermídio não arredava o pé da casa, jamais alimentara um namoro, outrossim ninguém sabia ao certo onde ele havia nascido, nem pessoa alguma sabia precisar em que ano chegara a Sant'Anna do Ipanema aquele homem, alto, magro, à maneira de um cachorro faminto, olhando a todos de viés como se amasse a perspectiva dos ângulos; aquele homem que tinha como mundo uma casa de platibanda vermelha, coberta de telhas encardidas, bolorentas. Quando os habitantes de Sant'Anna do Ipanema abriram os olhos, era "Seu Hermídio" o mais íntimo de toda a cidade, aquele que recebia das crianças mais afeto, pois para as crianças Seu Hermídio parecia viver. Todas as vezes que o procurava, encontravam-no ou deslocando os olhos de Santa Luzia ou pintando as chagas de S. Roque, quando não colava o braço de um boneco maneta, destorcia o pescoço de um soldado de molas, aleijado às fúrias de mãos inocentes.

Clique Aqui e veja a crônica completa no blog Apenso com Grifo

Comentários