Chove no telhado
velha natureza canta
canário-da-terra.
Panema pedrento
mareja água na cacimba
berçário de sapos.
Canta carro de boi
meio-dia chega o inverno
no olhar da jiboia.
Para a natureza
murmúrio na floresta
nascimento dum rio.
Estranha floresta
soluçava um olho d’água
fim da primavera.
Mãos dentro da lama
galhos tortos rasgam o luar
homens-caranguejos.
Grita a saracura
acorda de susto o dia
um galho balança.
Bate tique-taque
pingo d’água no caldeirão
dorme primavera.
Voam gafanhotos
verde plantação de arroz
colore à tarde.
Caveira de vaca
caatinga sertaneja
urubu com fome.
O monge reflete
café sobre fogão a lenha
uma manhã de leite.
Acordo santo
meio-dia fico agnóstico
anoiteço ateu.
Migalhas de pães
sol da manhã forra a mesa
natureza-morta.
Cricrilam os grilos
florescem as cerejeiras
amiúda o galo.
Itajahy-açúcar
grossas águas tomam casas
povo joga cartas.
Peixe-boi-marinho
acorda o peixe-mulher
pra fazer peixinhos.
Brilha tarde fria
exala flor-de-defunto
um bem-te-vi morto.
Mosca de banheiro
fragilidade da vida
como é sua alma.
Janela sobre o mar
gaivotas e albatrozes
quadro realista.
A coruja que habita
o interior da mulher é calma,
é simples como a Lua.
Balé de pandorgas
infinitas cores no céu
crianças felizes.
Trabalha a aranha
teia de arame farpado
envolve o mundo.
Bem-te-vi-bem-te-vi
prenúncio de trovoadas
malmequer bem-me-quer.
Lua cheia lua cheia
balões de São João sobem
brancos azuis roxos.
Navegam garrafas
segredos da primavera
correntes marinhas.
Noite de puro breu
casa de joão-de-barro
vagalume clareia.
Lagarta de fogo
pés descalços na grama fria
fogueira de São João.
Crocita a coruja
noite escorre da serra
taramela a arara.
Sombrio outono
besouros copulam lentos
presos a um galho.
Batata-doce
agricultura familiar
telhado de palha.
Libélula viaja
numa poça d’água na rua
uma folha sem vida.
Vêm nuvens negras
brancas asas de coruja
guinchava um rato.
Olho-de-boneca
orvalho de abril molha
breve raio de sol.
Libélula viaja
numa poça d’água na rua
uma folha sem vida.
As rosas de maio
alimentam o beija-flor
no silêncio das asas.
Solo rachado
recado da natureza
desenho poético.
Alagadiças ruas
abrigam em palafitas
sonhos de muitas rãs.
Pescador pesca sol,
pesca sonho, tempestade,
quando Iemanjá quer.
Velho poço d’água
mergulha um balde vazio
enche a lembrança.
Filhotes no ninho
e vai e volta o balanço
gemem galhos secos.
Vejo emoldurada
na velha porta de madeira
a sombra da primavera.
Grita a saracura
acorda de susto o dia
um galho balança.
Barata passeia
madrugada na cozinha
lagartixa dorme.
Geada no campo
estibunga de manhã a rã
acorda a lagoa.
1...2...3...4...5...
Lavadeiras pulam no rio
a e i o u.
O frio do inverno
abriga-se nas rochas
fogem os morcegos.
A casa das formigas
naquela tarde de chuva
o açucareiro.
Para de bater
o coração da árvore
por causa dos jornais.
Campos de pastagens
latifúndios de araras
famílias sem-terra.
Besouro na folha
o vento balança a folha
língua de sapo gruda.
Cai noite na vila
bacurau na igrejinha
vento toca o sino.
Vento na estante
livros sobre a natureza
traças comem letras.
Barco passa veloz
água corre na sarjeta
se desfaz o papel.
Comentários