Dela foi lhe tirado tudo que a fazia ser aquela mulher de vida plena. Pouco a pouco seu modo de viver foi se modificando e como se não existisse nenhuma perspectiva, foi indo a esmo sem um significado especial, que a fizesse existir plenamente como a pessoa que sempre foi. Nada de propósito. Nem ela, nem ninguém, criaram tal situação. As coisas foram acontecedendo, o tempo corria e assim ela ficava sem muito entender o que também ninguém entendia. Anos se passaram. Dias normais, dias de festas, comemorações de aniversários, dela e da família. Alegrias, tristezas, bisnetos chegando, a família mais se harmonizando. Para ela, alegria, por estar com todos, sempre cercada de muito carinho. Alguma coisa faltava. Não falava, não deixava transparecer o que ela mesma nem sabia que sentia ou que nem sentia.
Quando o marido morreu, pediu para morar em Maceió, com a maioria dos filhos. A partir daí, deixou uma vida que construiu. Não queria voltar, o elo estaria quebrado. Até ai tinha consciência do que tinha sido sua decisão. Dizia que estava feliz. Estava com a família. Com o passar dos anos, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, tornou-se mais solitária, mesmo a casa com os familiares. Ausente, estando aparentemente atenta às conversas, fala que quer ir embora. Já está na hora de ir embora para sua casa. Torna-se constante sua aflição como também de sua família. A família que faz questão de estar com ela. “Quero ir para o Batatal, vou com quem?“. “Pode deixar que vou andando, estou acostumada”. Horas de lucidez e mais horas de não lucidez. Mesmo com todos ao seu lado, ela não está feliz, queria viver a outra vida. Aquela que viveu um dia com seu pai, sua mãe e seus irmãos, misturada com a que viveu com seu marido, seus filhos. Fala mais da vida da infância, de sua plantação de algodão e de sua colheita.
Diante do seu sofrimento, a família resolveu levá-la para a antiga morada, não a da infância, embora, ela sentisse mais prazer por ela. A casa e o tempo da infância não existem mais em sua matéria, só fazem parte de sua imaginação. A outra vida, a que foi feliz com seu marido e filhos para criar, também não mais existem, permanece a casa, intacta, e até permanece bela, no entanto, nada mais representa para ela. Aparentemente, lá, ela está feliz, vivendo uma vida imaginária. Quem sabe, em seu modo de pensar, os animais precisam de sua ajuda. As pessoas da casa necessitam dos seus cuidados domésticos. Cumpre suas tarefas imaginárias e não mais pede para voltar para casa. Pega a chaleira, quer colocar água e fazer o café para todos. Lá, em Maceió, quando chega a hora da saudade, precisamente, às 18 horas, insinua que é hora de todos irem para suas casas, que ela também tem que ir. Ou, tenta arrumar lugar para todos dormirem ali mesmo.
CREPÚSCULO
CrônicasLúcia Nobre 01/07/2012 - 21h 07min

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