LER É REALMENTE UM ATO SEM IMPORTÂNCIA?

Cicero de Souza Sobrinho (Prof. Juca)

Nenhum ser humano pode dizer que vive sem que aprenda, sem que tenha aquilo que verdadeiramente nos distingue dos animais: Conhecimento! E o processo que é responsável pela aquisição deste conhecimento recebe o nome aprendizagem, e esse processo compreende infindáveis ações humanas...
Aprendemos a olhar, andar, falar, gesticular, escrever, ler, pintar, amarrar o cadarço, vestir a camisa, enfim, nós aprendemos até a sentir. Mas este mesmo processo de aprendizagem acontece de maneiras diferentes entre as pessoas, pois depende de estímulos externos, “geralmente” de pessoas mais velhas, pessoas mais próximas. Assim, o processo de construção do conhecimento só pode ser efetivado mediante outro processo que é de igual importância: o da leitura! Mas não se lê apenas livros ou revistas, ou jornais, antes, o mundo. Lemos sensações, situações, sentimentos, gestos, trejeitos, etc. o ato de ler o mundo nos permite viver entre as outras pessoas, entendendo e assimilando. Quanto ao ato da leitura propriamente dita, aquela que permite a decodificação de símbolos gráficos, esta está cai a cada dia, cada vez mais em desuso, haja vista “não haver realmente a necessidade de leitura” no mundo moderno, onde ao toque de um botão o mundo se abre em uma infinidade de respostas prontas, sem a necessidade de uma leitura, uma pesquisa em um livro ou em uma revista. Percebe-se que muito pouco se busca o recurso da leitura na sociedade moderna. O mais triste, ou o mais preocupante é que nesta mesma sociedade moderna o local onde menos se lê é justamente aquele onde mais este ato deveria acontecer: na escola. Pois é, pode parecer descabida esta minha Afirmação, – isso mesmo, Afirmação com “A” maiúsculo – de que a instituição responsável pela formação acadêmica seja este local desprovido de leitura. E os motivos são os mais variados. São professores(as) que não possuem o hábito da leitura – isso mesmo –, coordenadores(as) que preocupam-se apenas em fotografar projetos fadados ao fracasso em virtude da inoperância das instâncias que gerem a educação, assim como pelo descompromisso de alunos e professores, dentre outros. O Sistema Educacional Nacional decrépito e copista que impele alunos e alunas apenas a reproduzir em seus cadernos o que está no quadro, planeja ações de ingresso às universidades, -o(a) aluno(a) “tem” que ir pra faculdade – sem levar em conta se esse(a) aluno(a) sabe ou não, se ele(a) sabe ou não ler. Ler tornou-se uma ação de segundo, terceiro ou quarto plano. Aluno(a) de terceiro ano do ensino médio que não sabe ler é uma verdade cruel e real em nossas escolas. Mas o problema vem de longe, vem lá da base, e não falo dos anos iniciais, falo da base familiar, pois muitos(as), muitos(as) mesmo destes(as) jovens nunca aprenderam a respeitar limites; nunca foram educados a ter sede pela independência e pelo conhecimento; jamais foram encorajados a perceber que no mundo existe necessidade do saber para que a partir deste se percebam as diferenças e que por isso devem buscar se efetivar mediante a aquisição do conhecimento, lendo, pensando, pesquisando. Estes chegam a escola e são vitimados ainda mais por professores(as) sem um mínimo de compromisso, pois de nada adianta ao sujeito ter um diploma superior se este não lê e não produz.
Sempre achei a leitura é um ato de emancipação, pois ela nos permite pensar, entender, compreender o que acontece ao nosso redor, e até em nós mesmos.
Para o professor Gilberto de Macedo1,
“Ler não é simplesmente ver – letras, palavras, frases, textos. Os cegos lêm sem o aparelho visual, com as mãos [...] mais que isso, ler é compreender [...] Ler é, assim, entender o significado do texto. E resulta de um ato do leitor, como um sujeito. Não é, portanto, um processo passivo de mera recepção e gravação na mente do que está escrito. Mas, resulta de um procedimento ativo, de um dinamismo psicológico do leitor sobre a escrita [...] O entendimento do texto adquire-se através da conquista do seu significado [...] Não basta, pois alfabetizar. Não compreender é uma forma de analfabetismo chamado funcional [...] Aprender a ler é, desse modo, uma tarefa urgente, se queremos [...] Ler é uma experiência pessoal de elevado valor. Tanto pela utilidade que oferece como fonte de conhecimento, como pelas emoções agradáveis que provoca. [...] Conforme seja silenciosa, ou seja falada, a leitura proporciona outras formas de prazer. Assim, na leitura silenciosa, o prazer resulta da inteligibilidade representativa do próprio texto, da mensagem que a escrita transmite. [...] Por isso se diz que ler é uma arte, que se há de fazer através da apreensão de sua harmonia de forma e de significado. E é também um processo educativo, isto é, que se realiza plenamente por mecanismos de aprendizagem, e cumulativamente em várias etapas, a saber: leitura elementar na alfabetização, leitura reflexiva visando o significado das palavras, leitura crítica e especulativa do sentido das frases, leitura sintética da assimilação da experiência de ler. [...] E mais que isso, ler bem, no sentido de prazer – afetivo, imaginativo e intelectual – não é fazê-lo quantitativamente, mas de maneira qualitativa, aprendendo a sua estética e a sua conseqüente utilidade.”
Os(as) especialistas; aqueles(as) observam a escola pelo lado de fora, aqueles(as) que apenas supõem como seria (nos dias de hoje) uma sala de aula acreditam ter a solução para o grande problema educacional vigente. Suposições mirabolantes, achismos não resolverão o problema da educação, ou falta desta. Alunos que chagam as universidades sem saber ler – já que o processo seletivo é falho – representam o grande e preocupante número de mentes opacas que serão responsáveis pela manutenção da sociedade brasileira. Para piorar, há uma interpretação totalmente equivocada – de propósito, claro – de que o aluno do 3º ano do ensino médio não precisa concluir o ano, basta ele “passar” no vestibular que assim terá acesso a universidade. A referida interpretação é com relação a LDB, e é uma ação inconstitucional. Mas como esperar que isso deixe de acontecer se algumas pseudoescolas legitimam essa atrocidade intelectual? Se estas “empresas que vendem o saber” incentivam seus alunos(clientes) para que acionem a justiça para garantir esse direito de acesso a universidade? Como querer que os(as) alunos assistam aula, apresentem trabalhos, leiam os livros sugeridos se pais e mães irresponsáveis brigam com os(as) poucos(as) diretores(as) sérios(as) para que seus(as) filhos burlem a lei e sejam promovidos(as)? Ah! Como disse um advogado amigo meu:
- Fazer o que se a escola não lê? Essa brecha na lei só existe porque ninguém da escola sabe que é inconstitucional!
Ficam aqui duas perguntas sem importância:
Quem gostaria de ser atendido por um(a) médico(a) semianalfabeto(a)? Quem confiaria a vida de um(a) filho(a) a este(a) médico(a)?
Quem gostaria de ser defendido(a) por um(a) advogado(a) semianalfabeto(a)?

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MACEDO, Gilberto de, Educação, Ciência e Vida. Ed. Edufal. Maceió, Alagoas. 1988. p. 57; 58; 59; 60.

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