Gíria, segundo mestre Aurélio, é “linguagem de malandros e que, nascida num determinado grupo social, termina estendendo-se, por sua expressividade, à linguagem familiar de todas as camadas sociais”. O bordão, segundo o mesmo dicionarista, é “palavra ou frase que se repete a cada passo na conversa ou na escrita”.
Faz pouco tempo, numa dessas festas de confraternização de fim de ano e empolgado com abraços e cumprimentos de familiares, andei tomando, sem nenhum excesso, doses de bebida destilada antes mesmo de iniciado o programado jantar. Já em casa e após algumas horas de sono reparador, sem mais nem menos escorreguei da cama e, inapelavelmente, fui ao chão. O lamentável fato, contado a amigos, foi logo interpretado como resultante da minha possível condição de “chapado”, assim entendida a embriaguês nos legítimos termos da consagrada gíria brasileira.
Esta história do fictício tropeço – esclareça-se – serviu apenas de pretexto ou de mote para o início desta crônica. Nada mais que isso.
Em conversa com jovens amigos de classe média, que não são malandros, verifico que a gíria realmente estende-se ao ambiente familiar como forma de expressão muito comum entre eles, livre do formalismo do texto escrito e da linguagem culta, erudita. Vejamos apenas dois exemplos: “morgado”, segundo eles, refere-se a cansado, sem graça. “Dar abra”, significa ir-se embora, fugir.
Também gírias, ditos e bordões são largamente usados na linguagem dos criativos boêmios e apreciadores de bebidas alcoólicas, ricos ou pobres, sobretudo nas rodas de amigos, em fins de semana. Cada um deles possui sua marca genuína, registrada, seu chavão próprio, que serve de alegre ingrediente para a maior animação desses encontros.
No meu antigo ambiente de trabalho – Banco do Brasil – anotei alguns bordões ditos por colegas boêmios. “Segure a conversa”, por exemplo, era dito por João Farias Filho, contínuo amigo da agência em Santana do Ipanema. O “vamos opilar!” tinha a marca da inteligência de Alberto Paiva, dito após afinar seu violão em alegres encontros na Associação Atlética Banco do Brasil.
Pois bem. No início da década de 1950, por aí, conheci “Coleta”, pária da vida que não fazia mal a ninguém em Santana do Ipanema. Já inteiramente entregue ao vício, apareceu nos bares da cidade, procedente de Águas Belas, Pernambuco. Após umas “quatro ou sete” bicadas, costumava dizer: “Quanto mais bebo, mais respeito!” Muitas vezes, simulando puxar o punhal que nunca trazia na cintura, repetia, com graça: “Olhe o punhal velho enferrujado!” E mais: “Sou valente, já botei dez soldados pra correr! – mas atrás de mim...”
Ironia do destino. Um dia, numa daquelas históricas enchentes, soldados retiraram o corpo de “Coleta”, já sem vida, do fundo do Poço dos Homens, tragado que fora pelas águas furiosas do rio Ipanema.
Maceió, janeiro/2011.
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