Minhas senhoras,
Meus senhores,
Meus conterrâneos.
“Gosto de vaguear pelo passado”, disse Nélida Piñon, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, em sua recente obra literária, intitulada Livro das Horas.
Minhas palavras iniciais são de agradecimento ao confrade e amigo José Malta Fontes Neto pelo honroso convite que me fez para que eu saudasse os sócios hoje empossados na Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Desejo reafirmar, neste introito, que é sempre um grande prazer rever Santana do Ipanema, meu chão natal, cidade nunca esquecida em minhas conversas e em minhas crônicas.
Bem maior é o prazer de sentir, estrada afora, o gostoso cheiro de terra molhada, sinal da chuva salvadora – dádiva divina – que vem caindo no sertão alagoano.
Não mais vejo a terra calcinada de um ano atrás. Vejo apenas vestígios da pavorosa estiagem que secou açudes, rios e riachos, acabou a lavoura e o pasto, castigou nossa gente e dizimou nossos rebanhos.
Agora, graças a Deus, vejo água em riachos, açudes e nas cacimbas do Ipanema.
Vejo chuva, vejo terra molhada, vejo lavoura crescendo, vejo promessa de safra.
O sorriso verde de esperança, afinal, toma conta da exuberante paisagem do nosso sertão, onde aqui vive uma civilização trabalhadora, dedicada ao trato da terra e aos cuidados com seus rebanhos, mas sofrida.
Aqui estou, então, por dois motivos. O primeiro, como já o disse: atender a uma irrecusável convocação do presidente desta Academia, o amigo Malta. O segundo: o das relembranças mais significativas, o de poder, rapidamente, “vaguear pelo passado”, como disse a escritora Nélida Piñon, e matar saudades.
Exaltar e cantar minha terra e minha gente não me parece apenas obsessão do cronista santanense, ufanista até, senão dever de quem no chão nativo deixou enterrado o cordão umbilical.
Não podemos perder “os vínculos afetivos” com nossa origem, no dizer da antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, alagoana de Olivença, que escreveu a contracapa do livro Alagoas na Idade Mídia, a mais recente obra literária do professor e doutor José Marques de Melo.
Ao alinhavar as primeiras notas desta prazerosa conversa, lembrei-me de nostalgia, de saudade, dois vocábulos que mexem com as cordas do coração dos românticos viventes, e que estão presentes no poema de Olegário Mariano, poeta pernambucano, político e diplomata, que disse:
“Tirem-me o manto. Deixem-me desnudo. Mas não me tirem d’alma esta saudade, que é meu sangue, meu ser, meu pão, meu tudo.”
O viçosense Jader Tenório, colega do Banco do Brasil, que aqui morou e que desta cidade levou boas e gratas recordações, inseriu em seu livro Poetas de Canto a
Canto, há pouco publicado, os seguintes versos que pinçou da obra do poeta nordestino Negro Quixaba:
“Saudade é o canto mudo
De tudo que a gente sente
É a lembrança de tudo
Que fica longe da gente.”
Falar de saudade é sentir saudade novamente.
Deixemos saudade, nostalgia e romantismo de lado e falemos, então, do que mais nos interessa nesta noite festiva: a Academia Santanense de letras e seus sócios.
Aqui estão meus confrades empossados em suas respectivas cadeiras, cujos patronos tiveram seus nomes há pouco divulgados. Felizes estão todos eles, merecedores dos nossos aplausos.
Também tenho a honra de pertencer ao quadro de sócio desta Academia. Ocupo, prazerosamente, a cadeira nº 27, que tem como patrono o escritor Oscar Silva, santanense de nascimento, consagrado cronista, romancista e uma das grandes expressões da literatura alagoana, quiçá brasileira.
Em verdade, tudo isso acontece em noite histórica para a cultura, a literatura e para intelectualidade de Santana do Ipanema. Auspicioso acontecimento que tem como testemunhas ilustres personalidades da sociedade santanense, presenças honrosas e marcantes que emprestam brilho maior a esta solene festa cultural.
Recordo-me, agora, das entusiásticas palavras pronunciadas pelo saudoso Dr. Adelson Isaac de Miranda, patrono de uma das cadeiras desta Academia.
Foram palavras pronunciadas há mais de 40 anos em festivo jantar dos clubes de Lions e Rotary, reunidos em noite de gala no salão do Tênis Clube Santanense.
Em discurso de saudação, e referindo-se aos dois clubes de serviço em plena atividade na cidade, disse ele: “Nada mais falta a Santana do Ipanema!”.
Avalio que, se vivo ele estivesse hoje, a par do progresso da cidade, da existência de duas faculdades aqui instaladas produzindo conhecimentos e saberes, e, ainda mais, orgulhoso e feliz com a fundação desta academia de letras, diria ele, com certeza: “Agora, sim, nada mais falta à vida literária, social e cultural de Santana do Ipanema!”
Numa noite chuvosa de julho, por ocasião da festa de nossa padroeira, encontrei-me com a poetisa Maria de Lourdes Nascimento, ilustre sócia da Academia Maceioense de Letras. De Maceió, aqui viera ela fazer a apresentação de um livro da escritora conterrânea Lúcia Nobre. Dizia-me, então, a poetisa: “Quero descobrir o motivo por que Santana do Ipanema possui tantos escritores.” E acrescentava: “Desejo investigar este fenômeno.”
Tentei justificar o fenômeno, informando-lhe que, àquela época, o número de escritores deveria passar de trinta. E acrescentei, orgulhoso: “E com livros publicados!”
Não sei se exagerei na tinta. Mas se “chute” houve, ele deve ter atiçado o interesse da poetisa em realmente investigar o curioso fenômeno.
Entre outros motivos para toda essa produção literária, deve ter sido a contribuição da água salobra do rio Ipanema, com aquele gostinho de azinhavre, certamente ativadora de algum processo especial nos neurônios dos intelectuais
santanenses...
O resultado está aqui, hoje e agora. O fruto desse gosto pela literatura, diga-se de passagem, muito se deve ao portal Maltanet, o grande incentivador desse processo que vem despertando talentos e descobrindo vocações em nossa terra.
Aliás, o citado professor e doutor José Marques de Melo, em artigo publicado em 2009, em O Jornal, daqui de Alagoas, confirma este fato, escrevendo, de cátedra: “Se a era da imprensa não foi auspiciosa para a cultura santanense, a idade da internet vem favorecendo e estimulando o florescimento literário.”
O rasgo de audácia, de sonho e de inspiração do poeta Jucá Santos em noite memorável nesta cidade, que contou com o imediato apoio da ex-prefeita Renilde Bulhões, tornou-se realidade.
Está, portanto, fundada, instalada e em funcionamento, a partir de hoje, a Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Disse Simone de Beauvoir: “Os intelectuais são devotos da universalidade.” E José Saramago completou: “Aonde o escritor vai, vai o cidadão.”
Academia de letras é, essencialmente, sociedade de literatos, de intelectuais, de escritores. É, sobretudo, casa de letras.
Nasceram as academias na Grécia Antiga, lá pelo ano de 387 a.C., obra do filósofo Platão.
No século XVII, coube ao cardeal Richelieu, poderoso primeiro-ministro e eminência parda do rei Luís XIII, da França, fundar, em 1635, a Academia Francesa ou Real Academia Francesa, inspiradora ou modelo das academias de letras no Brasil.
Haverá bônus e ônus para se fundar uma academia de letras, instituição preocupada com a cultura da língua nacional e sem fins lucrativos. E o mais importante: fazê-la funcionar.
O bônus será o prêmio do título vitalício, das vaidades pessoais e da “doce fantasia da imortalidade”, como bem o disse Dr. Ib Gatto, ex-presidente da Academia Alagoana de Letras.
O ônus, ao contrário, estará no contexto das obrigações e dos deveres da diretoria eleita e de todo o seu corpo social, dos acadêmicos, para mantê-la viva, atuante, funcionando plenamente e cumprindo fielmente a finalidade para a qual foi fundada.
OSCAR SILVA, VIDA E OBRA.
Completando a oração acadêmica da noite, a que me propus e prometi ao querido Malta, pergunta-se: quem foi Oscar Silva, o patrono da cadeira nº 27 desta Academia que tenho a honra de ocupar?
Certa feita, encontrava-me no meu trabalho no Banco do Brasil, em Maceió, e lá esteve Oscar Silva a me procurar. De longe, avistei um senhor bem forte, moreno-escuro, bochechudo, de boa altura, que vinha vindo em minha direção.
Apresentou-se, chamando-me pelo meu nome.
Não obstante de cara fechada, tratava-se de figura humana de fino trato, gentil. Visitava Alagoas e viria a Santana do Ipanema rever a cidade natal e velhos amigos ou amigos de infância.
Logo disse que me conhecia, porque havia lido meu livro Festas de Santana, que eu publicara em 1977.
Sobre Água do Panema, seu livro aqui imaginado, com cenários, paisagens e personagens da terra natal, publicado em 1968, perguntei-lhe se do romance ainda existia algum personagem com vida.
Respondeu-me: “Resta Ramiro”, ao mesmo tempo autor e personagem da obra.
Vejamos alguns dados biográficos do escritor santanense Oscar Silva.
Menino pobre, “com alicerce no submundo social, que comeu o pão que o diabo amassou”, segundo suas palavras, Oscar Silva nasceu em 16 de janeiro de 1915, na antiga Rua do Sebo, hoje Rua Antônio Tavares, nesta cidade.
Foi marceneiro, tecelão, balconista de botequim, integrante da Polícia Militar de Alagoas que combateu Lampião, funcionário estadual, servidor da Empresa dos Correios e Telégrafos (ECT), político (foi vereador em Coronel Fabriciano, Minas Gerais, militante de partido político) e, finalmente, funcionário do Ministério da Fazenda.
Autodidata. Intelectual de muito talento. Considerava-se um nordestino teimoso. Lutador. Valente. Nunca escondeu sua condição de político de esquerda, que lhe valeu dissabores e cadeia.
Adepto, com outros intelectuais alagoanos, dos renovadores movimentos literários aqui deflagrados nas décadas de 1920 e 1930, inspirou-se nos dramas sociais mais pungentes do povo nordestino, como seca, fome, miséria, injustiça, para construir quase todo o seu acervo literário. Sabia produzir textos rebuscados e escorreitos. Pena vibrante. Mestre na arte de escrever.
Publicou os seguintes trabalhos literários: Asas para o Pensamento (conferência) 1945; O Cavaleiro da Esperança (cordel) 1946; Fruta de Palma (crônicas nordestinas) 1953; Água do Panema (romance) 1968; O Conto e as Massas (tese de literatura) 1970; Semente de Paraíso (teatro) 1980; Toledo, a Terra e o Homem (projeto história) 1981; Cartilha de Toledo (projeto história) 1981; Toledo e seus Distritos (projeto história) 1986; e Toledo e sua História (projeto história) 1988.
Deixou de publicar os trabalhos: Eu vi os pedaços de Lampião (memórias de um ex-PM de Alagoas) e Presença de Toledo (resposta a Câmara Cascudo e coletânea de artigos na imprensa toledana).
Em julho e agosto de 1991, depois de assistir à festa de Santana, fazer palestras no Rotary Clube local, conceder entrevista em rádio, ir a baile no Tênis Clube Santanense, visitar a igreja matriz da cidade, visitar bairros pobres, visitar a casa onde nascera, reencontrar-se com amigos de infância e matar saudades na sentimental viagem derradeira, Oscar Silva despede-se de todos e viaja para Toledo, onde faleceu em 10 de setembro de 1991.
Fundar um centro cultural em Santana do Ipanema era o grande sonho de Oscar Silva.
O sonho dele era modesto para os dias de hoje, mas era um grande sonho!
Em lugar de um centro cultural, aqui fundamos uma academia de letras, ciências e artes, talvez sonho ainda maior que o sonho do escritor e do intelectual Oscar Silva.
Ao encerrar estas palavras, depois de “vaguear pelo passado”, de falar de saudades, de nostalgia, de romantismo, da vida e obra de Oscar Silva, vejo, nesta noite histórica, a Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes deixar o campo da fantasia e do sonho para tornar-se realidade, hoje e agora.
Tenho dito.
Muito obrigado.
(DISCURSO DE SAUDAÇÃO AOS PRIMEIROS SÓCIOS DA ACADEMIA SANTANENSE DE LETRAS, CIÊNCIAS E ARTES, QUE FORAM EMPOSSADOS NA SESSÃO SOLENE REALIZADA EM 19 DE JULHO DE 2013, EM SANTANA DO IPANEMA)
DJALMA DE MELO CARVALHO – SÓCIO FUNDADOR
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