Fui buscar o mote da conversa de hoje no meu livro Festas de Santana, para prestar justa homenagem a um exímio contador de histórias de minha cidade. Lourival Amaral, filho de tradicional família sertaneja, faleceu faz muitos anos. Dele me lembrei neste 20 de março, Dia do Contador de Histórias.
Na escolha do título acima, curvei-me ao que, sobre os vocábulos “história” e “estória”, mestre Aurélio escreveu: “Recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções.” Com certeza, o fundamento da recomendação está na origem greco-latina do vocábulo. Portanto, numa segunda edição do livro, será feita a devida alteração, não obstante a polêmica questão etimológica há muito tempo suscitada.
Santana do Ipanema de minha juventude tinha de tudo. Boêmio, seresteiro, músico, cachaceiro, poeta, filósofo de botequim, preguiçoso, mentiroso, intelectual, doido. Como contador de histórias, destacou-se Lourival Amaral, cujo talento e genialidade, infelizmente, se perderam nos estritos limites de sua terra natal. Ninguém melhor que ele sabia contar uma história, uma anedota, sempre a arrancar gargalhada do mais sisudo circunstante ou do mais respeitável frequentador dos “senadinhos” da vida. Impressionava-me a riqueza de pormenores de suas histórias, como o colorido cenário criado, os personagens bem delineados, o tropel de cavalos, o ranger de uma porta, o latido de um cão, o chape-chape do chinelo, o sibilar do vento ou simplesmente uma nota musical desafinada. De repertório inesgotável, contava com o mesmo sabor uma aventura vivida, um calote aplicado, uma mancada dada. Tanto fazia uma anedota obscena como uma piada de salão.
Além de contador de histórias, Lourival era músico de partitura e conhecido boêmio. Tocava trombone e pistom. Notas musicais do seu trombone, por exemplo, ressoaram por muito tempo pelas ruas da cidade, em noites e madrugadas de inesquecíveis serenatas. Muitas vezes essas serenatas, varando madrugadas, cruzaram caminhos com aqueles pãozeiros do passado que iniciavam a labuta diária aos primeiros sinais das manhãs do lugar.
Ziraldo, cartunista, chargista, humorista, disse: “O grande material do humor é a comédia humana, são os erros do homem. Quanto mais coisas erradas houver na sociedade onde o humorista vive, mais material ele terá para trabalhar.”
Pois bem. Lourival Amaral, certa feita, diante de alegre e descontraída plateia, que costumava sentar-se nas escadarias da porta da igreja matriz, em boca de noite fagueira, contou que, montado no seu cavalo ligeiro, que mais parecia um raio, roubara uma bela jovem donzela. Perseguido impiedosamente pelos familiares da namorada, imprimira tanta velocidade ao cavalo que, ao passar em frente a uma casa em festa, ouvira, correndo contra o vento, apenas o longínquo fon da sanfona. Sentindo que seria alcançado a qualquer momento, conseguira desviar-se da estrada principal, indo abrigar-se à sombra de um acolhedor e cúmplice umbuzeiro.
Afinal, enquanto o tropel de cavalos passava, ali mesmo os namorados se amaram, apressando as núpcias. Ao concluir a história, justificava-se: “Uma vez que a gente iria morrer mesmo, resolvemos adiantar o expediente...”
Maceió, março de 2010.
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