CASOS E CAUSOS

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro efetivo da academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.

"Fui, durante toda minha vida, um cronista, um homem que registrava o cotidiano e o comentava com possível humor para não aumentar a tristeza e a inquietação das pessoas." (Carlos Drumond de Andrade)


Caso é acontecimento, ocorrência, desavença, fato imprevisto. Causo, por sua vez, é história engraçada, conto, caso espirituoso, brincalhão, pilhérico, piada.
Oscar Wilde (1854-1900), escritor irlandês, disse: “A vida é muito importante para ser levada a sério.” Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão, sobre o mesmo tema, assegurou: “O bom humor é a única qualidade divina do homem.” E o escritor norte-americano William Arthur Ward (1921-1994) completou: “Um sorriso caloroso é a linguagem universal da gentileza.”
Na verdade, o bom humor, o sorriso e a gentileza abrem portas e tornam a vida mais leve, mais fácil de ser vivida, mais saudável. O sisudo morre do coração muito cedo. A alegria e o bom humor estão impregnados na alma de nossa gente. O povo brasileiro, sempre alegre e mais interessado em futebol e carnaval, esquece facilmente problema de inflação, crise política, crise econômica e outras mazelas sociais. De regra, não mais se lembra em quem votou na eleição passada.
Este preâmbulo tem tudo a ver com minhas crônicas, com minhas veleidades literárias, que sempre focalizam figuras espirituosas, bem-humoradas, engraçadas, notadamente de Santana do Ipanema, minha terra natal.
Há pouco li o resumo biográfico de Joaquim dos Santos Rodrigues, cearense, nascido no Sítio Gravatá, município de Caririaçu, comerciante de sucatas em Juazeiro do Norte, Ceará, falecido em 22 de novembro de 2014, aos 87 anos de idade.
Trata-se de Seu Lunga, personagem mal-humorado que ganhou celebridade de forma inusitada no folclore nordestino, sempre lembrado em cordéis. Era poeta, repentista.
Disseram os cronistas que o conheciam: “Em sua vida, o real e o inventado se misturavam. Deixou marca forte no imaginário popular.” Não sendo de sua autoria, muitas histórias ou causos a ele foram atribuídos. Seu Lunga dizia: “Tenho um folhetozinho aí com 157 histórias. Nenhuma é verdade.” Não tinha paciência com os que lhe faziam perguntas idiotas. Tolerância zero.
Vejamos, a seguir, apenas duas de suas histórias.
Certa feita, a esposa escorregara e caíra na área externa de sua casa. O filho, aflito, avisou-lhe: “Pai, a mãe caiu na área!” Atitude de Seu Lunga: “Então é pênalti!”
À mesa, pedira leite à empregada, que lhe perguntou: “Leite no copo, Seu Lunga?” Resposta dele: “Não, bote no chão e traga no rodo!”
Por fim, devo fazer referência elogiosa ao jornalista pernambucano Aldo Paes Barreto, apreciado colunista do Diário de Pernambuco, autor do livro Casos, causos e repentes (Editora EBGE, 246 páginas, 2ª edição), lançado recentemente no Recife.
Sobre o autor, disse o escritor Amílcar Dória Matos (1938-2010): “Aldo é um terapeuta, cura a si mesmo e aos outros com a irreverência, o bom humor, a picardia e a verve com que enfrenta e observa o mundo cada vez mais sisudo em que nos debatemos.”
Dele, já citei em livro a seguinte frase: “Cidade de interior tem que ter seu bêbedo de plantão, seu político de enganação e seu doido de estimação.” Acrescentaria, a propósito, que cidade de interior também tem de ter o malandro, o espirituoso, o boêmio, o intelectual, o poeta repentista, o mentiroso, o preguiçoso e o contador de piadas. A cidade de Santana do Ipanema, então, não foge à regra. Enquadra-se muito bem nesses pressupostos interioranos.
Vejamos, por exemplo, o causo contado pelo finado Dr. Eraldo Bulhões, que se refere à ida de Zé Panta, acompanhado da esposa, a consultório médico.
Dir-se-á que Zé Panta, já falecido, era filho natural de Santana do Ipanema, motorista do antigo DNER e conterrâneo de Dr. Eraldo. Zé Panta era gozador, sujeito espirituoso e inteligente, piadista. Seresteiro, dedilhava com maestria violão, banjo e cavaquinho.
Aposentado, Zé Panta estivera, certo tempo, adoentado, mas ainda espirituoso. A esposa, então, levou-o ao médico para consulta. Queixando-se, informou ao médico que fazia tempo que o marido não mais a “procurava”.
Antes que o médico perguntasse ao paciente quais seriam as razões da possível ou pontual abstinência sexual, Zé Panta, de pronto, respondeu: “Porque ela não se ‘esconde’, doutor!”

Maceió, abril de 2016.

Comentários