Casos de dengue crescem 428% no Estado

Saúde

Gazeta de Alagoas - Maurício Gonçalves

Segundo dados da Secretaria de Saúde, de 1.695 registros suspeitos em 2009, os índices saltaram para 7.264 até a 14ª semana de 2010

Um zumbido renitente não dá trégua a gestores de saúde pública e tortura a população alagoana. Para os que teimam em não escutar os alertas, o mosquito da dengue agora grita mais alto do que nunca em todo o Estado de Alagoas. Uma nova epidemia ataca com índices nunca antes vistos, classificados por especialistas como ?assustadores? e ?terríveis?.

Só até o último dia 19, as notificações da doença já tinham avançado mais de 428% em relação ao mesmo período do ano passado. De 1.695 registros suspeitos em 2009, os índices saltaram para 7.264 até a 14ª semana de 2010. E o pior: a dengue hemorrágica se agigantou em 1.140% (mais de onze vezes) no Hospital Hélvio Auto (antigo HDT), que atende cerca de 90% dos pacientes internados em Alagoas. Os casos mais graves, com risco de morte, explodiram em 850%.

Vírus da dengue está cada vez mais forte

Além da infestação do mosquito alcançar índices recordes, os novos casos se multiplicam com uma velocidade inédita e a doença está cada vez mais forte. Há cerca de dez anos, os pacientes demoravam em torno de três dias para se recuperar da dengue, mas hoje há casos de pessoas que passam de três semanas a quase um mês até superar o período de convalescença.

Um dos principais estudiosos do assunto no País, o infectologista Celso Tavares observa que a cada ano a tendência é o vírus ficar mais forte (?por causa das mutações?) e os pacientes mais frágeis, suscetíveis a quadros críticos, principalmente quem já tinha contraído a doença. A gerente-geral do Hospital Hélvio Auto, Luciana Pachêco, completa que Alagoas vive hoje uma epidemia dentro da endemia de dengue, que se arrasta sem solução há cerca de 25 anos.

Atendimento aumenta 500%

A dengue está mais forte porque alcançou o auge da transmissão hiperendêmica. O professor de Doenças Infecciosas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e assessor técnico da Sesau, Celso Tavares, explica que a circulação de três tipos diferentes de vírus intensifica os efeitos da doença. Daí a inflação das estatísticas com risco de morte.

Este ano, o Hospital Hélvio Auto aumentou em 500% o atendimento a pacientes com dengue, as internações (cruciais para evitar o pior) se elevaram em 400%. ?A cada dia que passa, os doentes ficam em situação mais crítica, isso tem nos preocupado bastante no hospital?, revela o infectologista, lembrando que a doença era considerada benigna, na década de 80. ?Em 1986, houve o primeiro surto no Estado, foi uma epidemia brava, com milhares de casos porque ninguém tinha imunidade, mas os dados da época não são confiáveis?.

Água ajuda na recuperação da doença

A água que serve ao mosquito também pode salvar o homem. A maioria dos casos graves de dengue se recupera com hidratação oral ou com soro fisiológico. O tratamento não precisa de medicamentos, o antitérmico (que deve ser prescrito pelo médico) só é usado como um paliativo para aliviar o desconforto da febre. Mas a ingestão de sucos e substâncias líquidas deve ser intensa. Uma pessoa com 60 quilos de peso deve tomar, no mínimo, 4 litros por dia, sendo um terço desse volume com soro de reidratação oral (o soro caseiro também serve).

Celso Tavares define a dengue como uma doença de assistência básica, portanto, o sucesso do tratamento depende do primeiro atendimento nos postos, onde justamente está a raiz do problema. Um levantamento recente do Conselho Regional de Medicina (CRM) nas unidades básicas teve um resultado desastroso. Em muitos casos, não há nem tensiômetro para crianças, nem macas para atender pacientes com dores no estômago. Coisas básicas que evitariam encaminhar milhares de pessoas para superlotar os hospitais.

?Pacientes subestimam os casos?

?Na maioria das vezes, quando houve morte, esses pacientes passaram por vários atendimentos porque se subestimam os casos, parece que estamos entorpecidos, não se leva a dengue mais tão a sério, como se levava cinco anos atrás, mas a doença mudou, está mais forte, tem os crianças morrendo sem diagnóstico?, alerta Celso Tavares.

Para ele, o tempo é precioso quando se trata de dengue. ?Eu não trato pacientes de dengue, trato casos suspeitos porque se for esperar pelo diagnóstico vai ter muitas mortes?. O exame de hemograma, que mede a quantidade de plaquetas do sangue, é fundamental para salvar estas vidas. ?Todos os municípios devem ter hemograma, não se pode entregar um exame desse após sete dias, após um mês?, apela o professor da Ufal.

Crianças são vítimas em potencial

A face mais cruel da maior epidemia de dengue registrada em Alagoas se revela nas novas vítimas em potencial: as crianças. Até o último dia 10, o Sistema Nacional de Notificação (Sinan) registrou 91 casos confirmados em pacientes na faixa etária de 1 a 14 anos. Destes, foram 16 com febre hemorrágica e quatro casos de dengue com complicações. Dos 252 casos enumerados pelo Sinan, mais de 38,1% são bebês e crianças.

Nessa mesma amostragem, a faixa etária de 15 a 19 anos tem 35 casos confirmados (13,8%). Dos 20 aos 29 anos, são 51 pacientes (20,2%), dos 30 aos 39 anos, 33 casos (13,1%). As demais faixas respondem por 14,7% dos registros. Os dados apontam ainda que as crianças estão mais suscetíveis a manifestações graves da doença, com 45,7% dos casos.

Critério para alta médica é a redução de plaquetas

O infectologista Cláudio Cotrim explica que um dos critérios para a alta médica é o índice chegar a 50 mil plaquetas por mililitro de sangue. ?O índice considerado normal é de 150 mil a 450 mil, mas há muitos casos que chegam aqui com menos de 10 mil?, explica. Por coincidência, o médico participava de um mutirão da dengue em Palmeira dos Índios, quando identificou a gravidade do caso de Yasmin e intercedeu para a transferência da menina.

?Ela já apresentava sinais de alerta, como vômitos, sangramento nasal e dor abdominal e estava no grupo C (o terceiro entre quatro níveis de gravidade e urgência para a dengue)?, explica Cotrim.

Comentários