FOFINHO E FOFOCA – MEMÓRIAS DA RUA C

Crônicas

Por Luiz Antônio de Farias, capiá

Ano 1964 ocorreu um desassossego generalizado em nosso país, devido à situação conturbada, verificada no cenário político existente. Uma anarquia generalizada estava sendo instaurada por um bando de agitadores, com o intuito de desestabilizar a democracia. Houve a necessidade de uma intervenção militar para colocar o Brasil num caminho diferente daquele que estava sendo desenhado. Se as medidas adotadas foram acertadas, ou não, os historiadores estão aí desenvolvendo seus trabalhos históricos, cuja concludência cabe a cada um professar seu próprio julgamento.

Entre alguns atos institucionais e medidas de repressão, foram ministradas algumas mudanças, talvez julgadas necessárias pelos detentores do poder, de plantão. Foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social, (depois mudado para Instituto Nacional de Seguridade Social), unificando todos os institutos de previdência existentes porque, até então, cada categoria de trabalhadores tinha seu próprio instituto. Damos como exemplo o IAPB/bancários; IAPC/comerciários: IAPI/industriários; e assim por diante. Já existia programa de casa própria e cada categoria trabalhista se encarregava de administrar seu programa exclusivo.

Naquela época o bairro do Trapiche da Barra era periferia, reduto principal dos pescadores da Lagoa Mundaú. Após a construção do imponente Estádio Rei Pelé – o Trapichão – ele entrou num ciclo desenvolvimentista, tornando-se uma das mais importantes comunidades da capital alagoana.

Aproveitando terrenos devolutos, então existentes, o IAPC construiu um conjunto residencial voltado para seus previdentes, criando três novos logradouros que foram nomeados, a princípio, como ruas “A”, “B” e “C”. Ao longo do tempo elas foram renomeadas homenageando, certamente, políticos influentes ou pessoas importantes.

A narrativa, que vem a seguir, versa sobre a Rua “C”, rebatizada como Rua Euricles Protázio, onde reside minha irmã Maria Helena. Arnaldo Tenório, meu cunhado, fiscal do extinto IAPC, foi contemplado com um imóvel na localidade. Da mesma forma, dezenas de trabalhadores ligados ao comércio foram, também, beneficiados.

Um comerciário, conhecido como “seu” Zé Gordinho, um dos agraciados, residiu no lugar até sua subida para o Plano Superior. Era muito conceituado, por conta de sua reconhecida dignidade, responsabilidade e honradez. Constituiu uma numerosa prole, para a qual transmitiu uma educação exemplar, fato que não poderia ser diferente. Mesmo diante das dificuldades ele proporcionou a todos os filhos o diploma de curso superior. Após a aposentadoria, para atenuar o ócio, “seu” Zé Gordinho resolveu criar um cãozinho branco, de pequeno porte, conhecido naquele tempo como “cachorro de balaio” (até então não havia essa diversificação de raças, como atualmente, que servem para “encher as burras” dos proprietários de PET e de veterinários ávidos). Residindo no final da rua ele atravessava diariamente todo percurso – acompanhado do seu inseparável amigo – pela manhã e à tarde, até a confluência com a Rua Siqueira Campos, cumprimentando toda vizinhança. Quando as moradoras percebiam a aproximação do passeante e seu fiel companheiro ficavam dizendo a “boca miúda” e em tom de blague: lá vem “Fofinho” e “Fofoca”.

Maria, minha mulher, e meus filhos Maria Luíza e Jorge Luiz, em conluio, resolveram adotar, sem prévia consulta ao premeditado “cuidador”, um cãozinho preto, da raça shih tzu. A princípio, com a chegada do novo morador, tudo era festa. No entanto, quando foi vista a necessidade do passeio diário, com o novo integrante, para a necessária realização das necessidades fisiológicas, lógico que sobrou para o aposentado. E a história de “seu” Zé Gordinho se repetiu. Para evitar maiores delongas eu e Zulu (nome do adotado) estamos protagonizando a nova versão de “Fofinho” e “Fofoca”, na Rua Professor José Brandão, no bairro de Boa Viagem, em Recife. Fazer o que? Foi consagrado o que dona Aristhea, minha inesquecível mãe, dizia: “língua falou, língua pagou”. Palavras de mãe é lei! Estou pagando o preço de ter zombado do protagonista da história.

Praia de Peroba, Maragogi – outubro/2020

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