O GUARDIÃO DAS HORAS

Crônicas

Por João Neto Felix Mendes

Caminhando pelas bermas da estrada ia indo tranquilo numa tarde invernosa. As plantas nativas estavam belas e vistosas. Aquela caminhada já durava algum tempo e eu não me apercebera. Era bonito ver aquelas frágeis plantinhas invadindo a margem do asfalto. Repentinamente, começou uma forte chuva carregada de vento, relâmpago e trovão. Ainda assim, continuei caminhando pensando que iria resistir. De repente, uns trovões pareciam sacudir o firmamento e aí eu fui ficando meio receoso de continuar a caminhada daquela maneira. Então, na tentativa de voltar, um relâmpago furioso fez tudo parar a minha volta. Procurei abrigo e esperei!

Naquele instante, percebi que o tempo houvera mudado. Ou era eu? Nesse momento, uma voz interior me fazia pensar no deus tempo e como eu cuidava desse tema. Fiquei intrigado, pois compreender o significado era complexo. Como se cuida do tempo? Do tempo só se mantém lembranças, experiências e a capacidade de fazer no porvir, pensei! É impossível é restauração das horas. Enquanto escrevo, esse breve tempo já se foi... Como se pode guardar o tempo? Embora contraditório, o tempo se guarda deixando que flua porque não tem coisa pior que esperar pelo tempo confiando que vai trazer instantaneamente as mudanças que precisamos e esperamos. A contradição é um das variáveis eficientes do tempo...

Atordoado com a nitidez das lembranças, confesso que fiquei acabrunhado. Pensativo, tentei organizar aquelas reflexões a fim de concluir com alguma sensatez. Contudo, aos poucos, fui concatenando as ideias. Fiz um retrospecto temporal e percebi que, a cada geração, um dos homens da família, desde tempos remotos, era designado servidor do tempo e seus marcadores eletrônicos e mecânicos e que, de geração em geração, pelo menos um, exercia a função. Era uma forma simbólica de ser guardião das horas.

Entretanto, essa tarefa não lhe conferia nenhuma vantagem adicional em relação a outrem. Caberia às próprias habilidades e méritos lidar com os dramas existenciais comuns a qualquer pessoa. Porém, como um viajante ermo no deserto, a lida diária poderia dispensar instantes de êxtase na conquista da descoberta de um poço d’água cristalina escondido na imensidão árida. Entretanto, condenado a prosseguir, seria obrigado a deixá-lo pra trás.

Na breve existência humana apenas a ignorância é eterna! Uma vida é insuficiente para compreender o quão breve e fugaz ela é. O tempo... As horas... De tudo que nos cerca e nos acomete, é preciso saber esperar. É preciso estar preparado para quando chegar ao final de tudo, saber que ainda é preciso esperar. Esperar na certeza de que a paciência é uma qualidade inesgotável na compreensão do tempo, das horas! O tempo, na dimensão humana, é racional e irracional simultaneamente. Há uma perspectiva racional, que podemos contar uma a uma e entender a dimensão de cedo ou tarde; noite ou dia e há, também, uma dimensão irracional que não pode ser mensurada no universo da imprecisão das coisas. Pode-se iniciar do infinito para o início ou vice e versa. Como entender a expressão: “Mil anos é como um dia?”

Independente das tentativas de explicações, assumi a missão de ser guardião das horas, aquele sujeito que zela para as horas representadas nos relógios nunca parem. Que estejam sempre funcionando e cumprindo o objetivo para o qual se destina: mostrar a fração previsível do tempo em que se encontra, para facilitar a embaraçada vida humana. Assim como o acendedor de lampiões no passado seguia incansavelmente cumprindo o ritual diário de iluminar as cidades, o guardião do tempo segue cronologicamente lidando para que o tempo flua indefinidamente e apresente, a cada um, suas infinitas possibilidades.

Precisamos ser firmes nas atitudes e persistentes nos ideais com a fé de que tudo ocorre no lapso de tempo propício. Nesse intervalo, viver a eternidade do tempo contida em cada instante e se, por acaso, esse tempo não chegar, não haverá problema algum porque a porção da eternidade já fora vivida. Deus nos ama e enviará o que for melhor para cada um. Saiba esperar, exercitando-se em interpretar o momento oportuno, se puder, para receber os benefícios que lhe serão dados, pois ao homem não lhe será dado conhecer o que lhe será dado. Aguarde com calma que os frutos amadureçam, para que possa apreciar sua doçura no tempo adequado e da maneira certa.

Segundo o cantor e violonista popular Jurandy da Feira, em sua canção “Frutos da Terra” “... o fruto bom dá no pé pra gente tirar, quem colhe fora do tempo, não sabe o que o tempo dá...” A missão de um guardião das horas é tentar cuidar da importância do tempo na vida cotidiana, suas misérias e manter todos os relógios em sincronia com o abstrato tempo cronológico. Quem sabe assim, o tempo torná-la-á proficiente, essa breve e misteriosa vida caminhante sem caminho com destino ao infinito.
“Para entender o valor de um ano, fale com um aluno repetente;
Para o valor de um mês, pergunte a uma mãe cujo bebê nasceu prematuro;
Para o valor de uma semana, pergunte ao editor de uma revista semanal;.
Para o valor de uma hora, pergunte a dois namorados que esperam para se encontrar;
Para o valor de um minuto, converse com alguém que acabou de perder o ônibus;
Para o valor de um segundo, troque ideias com alguém que tenha acabado de evitar um acidente;
Para o valor de um milésimo de segundo, pergunte ao nadador que ganhou medalha de prata nas Olimpíadas.”

O guardião das horas vai e vem todo dia, por enquanto. Certamente um dia, quando não se esperar, não voltará! Terá ido com o tempo e encontrado suas veredas, ladeadas de aveloses verdinhos vagando pelo infinito nas asas do vento. O tempo continuará reinante. Não espere de um modesto guardião das horas a elucidação dos mistérios encantados.

Inculcado com os meus pensamentos o tempo passou que nem percebi. Os relâmpagos cessaram. A chuva diminuiu. Então, aproveitei o momento para voltar pelo mesmo caminho apressadamente. Contudo, a hora passou e muita coisa mudou. Nada mais era o mesmo, afinal a espiral do tempo flutua no espaço em movimentos (im) precisos...

Outono/2018

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