NÃO É OLHANDO DO LADO DE FORA

Cicero de Souza Sobrinho (Prof. Juca)

Quando Wellington Menezes de Oliveira “entrou” na escola em Realengo estava irremediavelmente entrando pra historia (mesmo que de maneira funesta). Um sujeito excêntrico e retraído, que não namorava, nem paquerava e que segundo relatos dos que o conheciam apresentava um comportamento inseguro, talvez em virtude das gozações a que fora vítima e pelos foras que levara das garotas durante o tempo em que frequentou a referida escola. Naquele maldito dia, exatos 62 tiros foram deflagrados e restaram aproximadamente 20 projéteis intactos, prontos para serem utilizados, não fosse um sargento da PM passar pelo local naquele mesmo instante e atender ao pedido de socorro de um dos alunos que havia escapado. Treze crianças tiveram suas vidas ceifadas pela ignorância, intolerância, loucura, medo, talvez revolta e revanchismo também.
Depois do fatídico acontecimento os “especialistas” vieram com uma enxurrara de explicações e possíveis soluções. O que chama a atenção é o fato deste caso trazer à tona algumas questões muito relevantes:
a) Para que serve a escola enquanto instituição social? Seria para realçar as diferenças de gênero, credo político, sincretismo religioso, etnia, condição sexual?
b) Qual a sua função social? Seria apenas para formar (construir máquinas de carne, osso e sangue) para o mercado de trabalho? Máquinas incapazes de sentir, respeitar, amar, entender, tolerar (já que aceitar o outro é algo impossível de ser feito por uma máquina)... Seria para acirrar as diferenças territoriais e culturais?
Quando a última criança tombou inerte no chão frio daquela escola, alvejada pela intolerância e pelo medo levou consigo um mundo de possibilidades de construção de um mundo menos mau, menos preconceituoso, menos intolerante, menos violento, menos estúpido... pois aquela criança – assim como as outras – poderia ter sido a nossa salvação, a nossa esperança!!! Mas todos os dias muitas outras crianças tombam inertes dentro e fora das escolas... muitas perdem o “direito” de viver... então, por que é que este fato ocorrido em Realengo causou tanta comoção e estardalhaço? Por que é que “agora” se discute se o portão da escola deveria ou não ter ficado aberto?
Ora, não faz muito tempo que esses mesmos “especialistas” diziam (imbecilmente) que a escola deveria “romper” com qualquer terminologia que lembrasse “cadeia”...
– Não se pode mais falar em “grade curricular”, pois lembra cadeia; as portas da escola devem sempre estar abertas, pois ela não é um presídio; não há necessidades de muros na escola, pois muro é coisa de prisão; não há necessidade de coordenador de disciplina na escola, pois ele se assemelha ao guarda penitenciário, ao cão de guarda; a escola não pode exigir fardamento, pois isso é ilegal, e nem todos podem comprar, ou na pior das hipóteses: isso é inconstitucional; a escola não pode ter câmeras de vigilância dentro e fora das suas dependências, pois estará ferindo a liberdade dos alunos; a escola não pode ter detectores de metal na entrada (para evitar que armas entrem), pois isso causa constrangimento aos alunos... Depois dessa tragédia tudo isso deve ser repensado?!? Será que os “especialistas” estavam errados em propor essas “idéias revolucionárias”?!? Não é com suposições que se faz educação! É no dia-a-dia. Não é olhando do lado de fora da escola que se sabe dos reais problemas pelos quais ela passa.
Existem diretores(as), professores(as), coordenadores(as) – aqueles(as) coordenadores(as) que ficam na escola e não atrás de um bureau supondo - que realmente sabem como é viver todos os dias com medo, na insegurança de um dia de aula... homens e mulheres que verdadeiramente se arriscam no labor diário em escolas sem merenda (pois esta foi roubada); sem transporte para pessoas, pois os que se existem são próprios para transporte de gado; sem cadeiras nas salas de aula para os alunos; sem ventiladores para amenizar o calor sufocante dentro das salas de aula; sem livros suficientes para os alunos; sem policiamento para coibir o tráfico de drogas na porta da escola, para inibir as ameaças entre as gangues rivais... São professores e professoras que não são reconhecidos enquanto profissionais, que são mal remunerados, com péssimas condições de trabalho, que não são assistidos em seus direitos, pois aqueles que deveriam garantir esses direitos – juízes, promotores, dentre outros – estão preocupados com “outras coisas”...
O que precisa acontecer com urgência é a sociedade civil entender que é preciso cobrar políticas públicas que viabilizem uma estruturação real da educação, para que assim a escola se efetive enquanto instituição de promoção de pessoas. A própria sociedade precisa mudar, pois o Wellington não é um “produto da escola”, não foi a escola que o construiu, não foi pela simples condição de ser aluno que ele “se fez”, ele foi construído – como muitos outros o são – em virtude da sociedade sempre fomentar a separação, a luta acirrada pelo primeiro lugar, pelo lucro acima de tudo e de todos, do consumismo exacerbado, da separação e extirpação do que é diferente, do que é estranho, anormal, bárbaro...
Quantos “Wellingtons” mais terão que surgir?

Comentários