XEXÉU OU SURURU DE CAPOTE

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Maceioense de Letras

Um dia desses, lembrei-me da crônica que escrevi em 19 de dezembro de 1993, publicada no meu livro Caminhada (Maceió–1994, PP. 101/102), com o título Formatura e AI-5.
Tudo porque eu acabara de chegar à Academia Foco Fitness, que frequento diariamente, trajando camisa amarela, calça preta de tecido tactel e tênis também da cor da camisa. Assim vestido, alguém logo me comparou a um xexéu, passarinho esperto e desconfiado normalmente encontrado nas matas do sertão alagoano.
Outro gaiato, pertencente ao meu grupo de gracejos e piadas, acrescentou: “Parece, também, sururu de capote.”
Olhei-me todo, de cima a baixo, para conferir as comparações. Discordei totalmente da que se referia ao conhecido molusco bivalve encontrado nas lagoas Mundaú e Manguaba, em Alagoas, apreciado prato da nossa culinária e alimento principal do humilde habitante dessas bandas do litoral nordestino.
Quanto à crônica daquele ano, recordemos seu início: “Lá ia ele aboletado no banco traseiro do automóvel, chapéu de massa na cabeça, de abas longas puxadas para cima, óculos escuros e uma carranca de coronel interiorano. Era assim que Costinha viajava com destino à cidade de Areia, na Paraíba, onde iria assistir às solenidades de formatura do ‘sobrinho’ agrônomo.”
Antônio Alves Costa, sergipano de Propriá, andara pelo Rio de Janeiro e Maceió e terminou morando definitivamente em Santana do Ipanema, a partir do início da década de 1950. Funcionário do Ministério de Agricultura, Costinha era técnico em veterinária e passou a cuidar dos rebanhos dos fazendeiros de boa parte do sertão alagoano, prestando-lhes relevantes serviços. Vacinava o gado, aplicava-lhe injeções, fazia curativos, cirurgias e partos.
Brincalhão, engraçado, costumava ele contar suas aventuras e desventuras pelo mundo afora. Muito conhecido na cidade. Gostava desse tipo de aventura sem medir consequências. Bastou-lhe apenas o aceno para, de pronto, aceitar o convite da viagem à Paraíba, naquele dia, 14 de dezembro de 1968.
No dia anterior, 13 de dezembro, os ditadores militares no poder editaram o famigerado AI-5, que “fechou o congresso, estabeleceu a ditadura absoluta e desatou as perseguições políticas, as cassações, as torturas e assassinatos de estudantes e líderes políticos”, no dizer do historiador FC Leite Filho (El Caudillo, Editora Aquariana, 1ª Ed. pp.329/330, São Paulo, 2008).
Com esse deplorável fato histórico brasileiro, que suspendeu todas as garantias constitucionais, temia-se, entre outras medidas de repressão, o racionamento de combustível nos postos de gasolina ao longo das rodovias. A cada parada em posto de gasolina, Costinha fazia a seguinte pergunta, de modo que ela fosse ouvida pelo gerente do posto: “Podemos, ’tenente’, requisitar combustíve?!” No banco dianteiro, o “tenente” Tavarinho, sério, monossilábico, respondia negativamente à pergunta do “coronel”. Por sua vez, o “sargento” motorista, combativo vereador em Santana do Ipanema, ria e insinuava Costinha a formular novas indagações da espécie. Tanto na ida como na volta, não houve problema de abastecimento do veículo.
Os três viajantes, convidados para a festa de formatura do “sobrinho”, não mais pertencem ao mundo dos vivos. Mas ficaram inseridos na história da cidade.
Voltemos, então, à conversa inicial. À entrada do salão da solenidade de formatura, vimos Costinha trajando calça cor de abóbora, camisa amarela sob paletó azul-marinho, curto e que não abotoava. Uma presepada, em termos de moda masculina.
Admirado com a “elegância” do “coronel”, Dr. Francisco Pinheiro Tavares, então juiz de Direito da comarca de Santana do Ipanema – o “tenente” da viagem – desabou em gargalhada.
Costinha perguntou-lhe, então: “Estou vestido de xexéu, doutor?”
Estava, sim.

Maceió, agosto de 2018.

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