RIBEIROS DE CAPELINHA

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras.

Em crônica anterior, prometi publicar neste espaço o soneto Ribeiros de Capelinha, de autoria do saudoso poeta e romancista Raul Pereira Monteiro, filho de tradicional família de Santana do Ipanema.
Como se sabe, Raul era irmão do também falecido poeta José Pereira Monteiro, ambos meus conterrâneos e estimados amigos.
Por conta de nossa amizade, o escritor Raul, que residia em João Pessoa, Paraíba, não deixava de me enviar exemplares de seus livros publicados, de poesias, crônicas, memórias e de outros escritos, sempre me distinguindo com dedicatórias.

RIBEIROS DE CAPELINHA
(Raul Pereira Monteiro)
Dois Riachos, o bravo Desumano
E o breve Arequinhó, em minha terra,
São afluentes, que as chuvas do ano
Suprem de cheias que o verão desterra...

Desterra ou seca, num rigor insano,
Numa rotina que se não encerra,
Porque ninguém desvendará o arcano
Da Natureza sobre alguma terra.

Estancam, enfim, na realidade.
Mas na saudade de minha lembrança,
Eles deslizam com perenidade.

Ora valentes, no ápice da cheia,
Ora mansinhos, na seca que avança,
Expondo pedras e bancos de areia.

Outro dia, descobri em meus desarrumados arquivos cartas com ele trocadas. Anexados a uma delas, recebi os sonetos Ipanema, já publicado, e este Ribeiros de Capelinha. Noutra carta, e em resposta, transcrevi versos seus cobrando-me notícias. Vejamos alguns trechos dessa missiva.

“Maceió, 8 de março de 1999.

Meu Caro Raul,
Agora, depois de vários avisos e recados de Zé Monteiro, tenho em mão seu livro de poesias Imagens do Meu Caminho.
Com o livro, recebi os seguintes versos:
Parece que já morreu
O meu amigo Djalma
Que apesar de sua calma
Até de mim se esqueceu.
Parece-me que fui desgraçadamente acometido da chamada “síndrome do aposentado vagabundo”. Aquela que faz com que ele vá empurrando tudo com a barriga, porque, na condição de desocupado, julga dispor de tempo suficiente para tudo, quando, na verdade, não lhe sobra tempo para nada.
Desse modo, as coisas vão ficando para depois, e quando me dou conta do tempo, já estou com um punhado de livros, papéis, jornais, rascunhos e anotações outras sobre a mesa, aguardando providências e oportunidade para tocar ou concluir novo projeto literário.
Eis minha resposta, sem técnica e sem métrica:

Nunca esqueci os amigos do peito
Tampouco os nossos da terra natal.
Certamente ficaria sem jeito
Se algum dia os tratasse mal.

De morrer tenho muito medo
A vida inteira, e todo dia.
Espero não aconteça tão cedo
Essa fatal e inevitável folia.

Brincadeira à parte, Imagens do Meu Caminho foi lido de uma golada só, como se vai com muita sede ao pote, tal o interesse que o livro me despertou. Belos poemas reunidos em seu novo livro, produto da privilegiada inspiração poética que Deus fez por bem dotá-lo.
Fui saboreando poemas, versos, quadras e trovas, um a um, encontrando no mesmo caminho imagens que também me são extremamente caras. Também sou filho do nosso sertão ardente, lindo e sofrido. Vim do Sítio Gravatá, em Santana do Ipanema. Hoje, da mesma forma, não me canso de cantar, em prosa, valores, coisas e gente de nossa terra. Como me orgulho disso!
O Ipanema poético, com suas cheias, sua areia, cacimbas, muçambês e “o banho das primas” – tudo são imagens que ficaram gravadas com tintas fortes e perenes na memória do poeta Raul. Certamente seu umbigo ficou enterrado no pé de qualquer porteira de Capelinha...
Todos nós criamos raízes na terra onde nascemos. Feliz aquele que pode cantar a sua terra natal, como você o fez de forma muito bonita, de maneira romântica e nostálgica.
Com esse trabalho, você enche de orgulho seus conterrâneos e certamente seus pares da Academia Paraibana de Poesia. Parabéns.
Receba meu forte abraço,
Djalma.”

Maceió, outubro de 2016.



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