O JUIZ E O AMIGO

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras.

Tenho visto, durante anos, jovens casais que juram união eterna ao pé do altar e pouco tempo depois se separam para sempre, procurando, cada um, a partir daí, trilhar caminhos diferentes em busca de novo romance, de novo amor.
O escritor americano Edgar Watson Howe disse, a propósito: “Casamento é um jogo de paciência a duas mãos.”
Acrescentaria: jogo de paciência e de tolerância, para que, esvaindo-se a paixão, não possa fenecer o amor; “que seja infinito enquanto dure”, nas palavras do poeta Vinicius de Moraes.
Na verdade, nos dias de hoje, não é tarefa fácil a paciente busca de novo romance que terá de fazer cada um dos separados, na tentativa de construir um novo lar de forma digna, firme e duradora.
Junte-se a essa paciente busca a preocupação que se terá cada um com o corre-corre diário, com a luta para manter o emprego e o zelo pelo seu trabalho, não esquecendo a própria e necessária formação e capacitação profissional.
Estamos, afinal, diante do caldeirão da sociedade moderna, considerada a cada dia mais exigente e trituradora de valores e conceitos até então arraigados no seio da tradicional família brasileira.
Debruçado por algum momento sobre essas reflexões, lembrei-me do engraçado diálogo havido, há muitos anos, entre o saudoso juiz Dr. Luís de Oliveira Sousa (1917-2001) e seu amigo Fernando Alves, também falecido. Funcionário do Banco do Brasil, Fernando era cidadão de sólido casamento e exemplar pai de família. Apreciava contar o fato, de forma graciosa, a colegas de trabalho e a amigos da cidade.
Dr. Luís Sousa foi juiz de direito de Santana do Ipanema no período que vai de meados da década de 1950 a meados da década de 1960. Residindo com a família na sede da própria comarca, era magistrado muito querido e admirado pelos santanenses. Bem-humorado, afável e brincalhão, o juiz era contador de causos, muitos dos quais anotados após audiências realizadas ou pinçados de processos julgados e encerrados.
“Não me aposentei. Com a ‘expulsória’, deixei o trabalho”, disse-me ele certa vez ao cumprimentá-lo. Referia-se, claro, à idade-limite de 70 anos.
Membro ativo do Rotary Clube local, Dr. Luís Sousa prestou relevantes serviços à sociedade de Santana do Ipanema. Na Escola Técnica de Comércio da cidade, por exemplo, ensinava a matéria Noções de Direito. Tive a honra de ter sido um de seus alunos.
Promovido para a comarca de Maceió e depois nomeado desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, do qual foi presidente (1981 a 1985), ele continuou apaixonado por Santana do Ipanema. Referia-se à cidade e aos santanenses com palavras de carinho e de saudade. Por tudo isso, e muito mais, o povo santanense, através de sua câmara de vereadores, outorgou-lhe, como gesto de gratidão e justiça, o título de cidadão honorário de Santana do Ipanema. A comenda lhe foi entregue pessoalmente em concorrida sessão solene, com entusiásticos e calorosos aplausos de amigos e convidados. Eu seu discurso, ele também a mim se referiu, assinalando minha condição de escritor e cronista divulgador de coisas e gente de minha terra natal.
O desembargador sempre prestigiava acontecimentos sociais da cidade, especialmente a festa da padroeira, que se realiza anualmente no mês de julho. Era a grata oportunidade que tinha para rever, cumprimentar e abraçar numerosos amigos santanenses.
Empolgada com seguidas supersafras de feijão no seu município e nos municípios circunvizinhos, a cidade realizou, em 26/9/1971 e 24/9/1972, dois grandiosos eventos de repercussão nacional, denominados Festa do Feijão.
Lá esteve Dr. Luís Sousa. Entre os amigos da cidade, reencontrou-se, então, com Fernando, que tinha sido, à sua época, também professor-colaborador do Ginásio Santana e da Escola Técnica de Comércio Santo Tomás de Aquino. Relembraram os bons tempos vividos na cidade.
Depois do forte e demorado abraço, Dr. Luís Sousa lembrou-se: “Como juiz, celebrei seu casamento! Lembra-se, Fernando?”
Resposta do amigo, gracejando: “Lembro-me, Doutor, faz muito tempo e ainda tenho essa mágoa do senhor.”
Gargalharam e voltaram a abraçar-se.

Maceió, novembro de 2016.

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