No espaço de 158 páginas, o poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade publicou 150 contos no livro Contos Plausíveis (Editora Didática Paulista, 5ª edição, 2002). Como o próprio título indica, são contos aceitáveis, admissíveis, razoáveis, pequeninos, que levam o leitor rapidamente à última página, saboreando-os, divertindo-se e assimilando a dimensão do saber e da cultura literária do consagrado autor.
Leio à página 111 do livro, o seguinte diálogo:
– Agora você vai me contar uma história de amor, disse o rapaz à moça.
– Pois não – respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de Contador de Histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua.
Mestrado é curso de pós-graduação, mais avançado, mais rigoroso (“stricto sensu”) que a especialização. Demanda pesquisa em área do conhecimento e trabalhos de investigação científica.
Pós-graduação para especialização (“lato sensu”) será destinado, de forma mais ampla, na área da comunicação e expressão, a profissionais engajados na formação de leitores que tenham o prazer de contar histórias. Algumas faculdades brasileiras dispõem de pós-graduação de Contação de Histórias (EAD), reconhecido pelo MEC, tendo como pré-requisito do candidato a formação superior em qualquer área do conhecimento.
Contador de histórias é aquele que narra fatos, casos, histórias, oralmente ou por escrito. Contação é termo moderno, neologismo, verbete não inserido nos dicionários de Aurélio (5ª edição, 2010) e Houaiss (edição de 2004).
Não sou professor nem educador, embora, no passado, tivesse essa honrosa experiência como colaborador do querido Ginásio Santana, ministrando aulas de Português e História (do Brasil e Geral) à mocidade estudiosa de minha cidade natal, Santana do Ipanema.
Não ando atualizado com a dinâmica da produção de leis básicas, reguladoras, cânones, da Educação brasileira. Salvo engano, mestrado de Contador de Histórias ainda não foi cogitado no Ministério da Educação ou por ele autorizado como instrução superior de pós-graduação. Porém, se chancelado estivesse o dito mestrado pelo MEC, certo estava o autor do conto.
Como disse a moça do diálogo: “Os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.”
O Doutor em História Yuval Noah Harari disse em seu livro 21 Lições para o Século 21, página 331: “O homo sapiens é um animal contador de histórias.”
O moçambicano Mia Couto, em belíssimo escrito de 2008, afirmou: “A maior parte dos habitantes da minha terra não sabe ler nem escrever. Mas eles sabem contar histórias. E sabem escutar. São pessoas que guardam essa meninice dentro de si e acreditam que esse olhar de criança é importante para ser feliz e produzir felicidade para os outros.”
Encantava-me com Ariano Suassuna, talentoso e exímio contador de histórias, ao assistir às suas engraçadas e concorridas palestras em seletos auditórios pelo Brasil afora, gravadas ou transmitidas pela televisão. Invariavelmente, Suassuna recorria à primeira pessoa como protagonista de suas histórias, de suas narrativas.
O genial Chico Anísio, do alto do seu humorismo histórico, era um grande contador de histórias, alegrando o público com a exibição do seu quadro na televisão, denominado “A Escola do Professor Raimundo”, de crítica aos costumes brasileiros, sociais e políticos, sem esquecer os de sua cidade natal, Maranguape, no Ceará.
Ao longo desta conversa, lembrei-me de Lourival Amaral e Lulu Félix, ambos contadores de histórias em Santana do Ipanema, no passado. Lourival era impagável, engraçado, contava histórias com arte, arrancando gostosas gargalhadas dos seus conterrâneos na praça ou em qualquer lugar da cidade. Lulu Félix tornou-se famoso e conhecido por suas aventuras de viagens contadas no recinto do Bar do Tonho, estabelecimento que existia no centro da cidade. Para os ouvintes de Lulu Félix, suas histórias eram mentirosas, afirmação que ele sempre rebatia: “Vocês não andam, não viajam...”
Afinal, para Ariano Suassuna e Chico Anísio, se julgador eu fosse atribuiria a cada um deles, por mérito, o diploma/certificado de doutores em Contador de Histórias. Igualmente faria com Lourival Amaral e Lulu Félix, premiados conterrâneos nessa particular arte de divertir pessoas, concedendo-lhes o certificado de mestrado.
Maceió, dezembro de 2021.
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