MEMÓRIA HISTÓRICA DESTROÇADA

Djalma Carvalho

Encontrei no meu livro de anotações – sem ordem de qualquer natureza – os seguintes versos atribuídos a Cecília Meireles (1901-1964), talentosa poetisa brasileira do passado e autora de mais de 50 obras publicadas: “As águas não eram estas/ há um ano, há um mês, há um dia.../ nem as crianças, nem as flores,/ nem o rosto dos amores.../ Onde estão água e festas anteriores?/ E a imagem da praça, agora./ Que será daqui a um ano,/ a um mês, a um dia, a uma hora?”
Nos dias 24 e 25 deste mês de julho, estive em Santana do Ipanema para participar de reunião ordinária da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes. Também para reviver as emoções de uma noite da tradicional festa da padroeira da cidade. Da calçada ouvi a missa festivamente celebrada no interior da igreja matriz. O final da celebração permitiu-me abraçar e cumprimentar amigos, conterrâneos e familiares que iam paulatinamente deixando a igreja.
A propósito dos versos nostálgicos de Cecília Meireles, assimilei os mesmos sentimentos da poetisa após circular pela cidade, sobretudo pelo seu centro comercial, agora tomado por elegantes butiques e por novas casas de negócios. Centro comercial totalmente repaginado, modificado. Do passado, a meu ver, poucas e tradicionais casas comerciais ainda resistem à voracidade dos tempos modernos, tempos insensíveis ao passado, à tradição, ao patrimônio histórico, à história do lugar.
Cadê os prédios históricos construídos há mais de cem anos? Cadê o prédio do Cine Alvorada? Cadê o prédio da residência do padre José Bulhões? Permanecem intactos, pelo visto, apenas o sobrado de Maria Sabão, o prédio do museu histórico e a original frente do prédio da antiga agência do Banco do Brasil. Os dois sobrados construídos pelo coronel Manoel Rodrigues da Rocha estão com seus frontispícios descaracterizados. Observa-se neles que as marcas do passado estão aos poucos desaparecendo. A pessimista impressão que se tem deles, se nada acontecer, caminha para a fatal demolição, mais dias, menos dias.Em meados da década de 1960, por exemplo, o quarteirão e o sobrado do centro comercial - nosso centro histórico - foram demolidos, de péssima lembrança.
De quem será a culpa ou a omissão? Será dos tempos modernos ou do desconhecimento, pelos administradores da cidade, da existência do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado por meio da Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937?
Não é de estranhar-se essa omissão ou desconhecimento, de parte dos nossos administradores, de lei que trata do patrimônio histórico nacional. Em 1957, por exemplo, o escritor e historiador José Brito Broca (1903-1961), em seu livro Horas de Leitura, já se preocupava com semelhante problema urbanístico e histórico da cidade maravilhosa, assim escrevendo, referindo-se ao Rio de Janeiro: “Nada se respeitou até agora. Nenhuma preservação de elementos tradicionais, nenhuma defesa dos valores históricos da urbe.”
Pois bem. Entre os conceitos que orientam a atuação do Iphan acha-se a preservação dos “conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. Aliás, a Constituição de 1988, em seus artigos 215 e 216, reconhece a existência de bens culturais, material e imaterial, bem como formas de preservação desse patrimônio, por meio de registro, inventário e tombamento.
Costumo repetir o que disse José Saramago (1922-2010), escritor português: “Uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem sempre nela viveu.” E complementa Josué Sylvestre, escritor e historiador pernambucano: “Não se nasce nem se vive no Estado; as pessoas nascem e vivem no município, na cidade. As coisas acontecem na urbe.”
Verdade. As preocupações dessa natureza pertencem não só às pessoas que vivem na cidade – ou a “quem nela sempre viveu” ou onde “as coisas acontecem” –, mas também às entidades nela existentes. Entidades sem fins lucrativos, como Rotary, Lions, Maçonaria, e outras que tais.
Finalmente, na reunião ordinária da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes, acima citada, foi criada a comissão de trabalho, constituída por acadêmicos, chamada “Comissão Memória e Patrimônio Histórico”, com a finalidade de estudar o plano diretor de Santana do Ipanema. Após estudo e conclusão do trabalho, sugestões serão submetidas ao prefeito para a efetiva preservação do patrimônio histórico da cidade, à vista, claro, do preconizado nas orientações do Iphan, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cidadania.

Maceió, julho de 2019.

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