Bandas de música, de passado glorioso, habitualmente abrilhantavam as festas e as solenidades mais importantes de Santana do Ipanema. Presença obrigatória.
Em época de carnaval, entretanto, dividiam-se em várias orquestras carnavalescas, com a participação dos melhores músicos. Sob contrato, tocavam em cidades vizinhas, fazendo sucesso.
Num determinado carnaval, a orquestra ensaiada por Zé Ricardo Sobrinho fora contratada para a festa momesca da cidade de Bom Conselho, Pernambuco.
Pistonista destacado, Lourival Amaral teve participação garantida na temporada. Imprescindível, por que não dizer? Ainda moço, de sopro forte, dava show com seu afinado pistom.
Nessa cidade, a orquestra participou do Zé Pereira aos animadíssimos bales do Clube dos 30.
Durante o dia, o contagiante frevo pernambucano caminhava pelas ladeirosas ruas da cidade, divertindo o zé-povinho que pulava a valer na festa de todo o mundo, do pobre e do rico, o carnaval brasileiro.
Percorrendo as principais ruas, a orquestra, bem ensaiada, esmerava-se, mostrando o que possuía de melhor em termos de músicos. Executava os melhores frevos da época. À Frente dos músicos, o povo pulando animadamente. Alegria Geral. Passos do frevo pernambucano. Os blocos. As evoluções. As troças. O mela-mela. Os mascarados. Os bêbedos de fim de festa. O entrudo.
A cada nova rua alcançada, novos foliões se juntavam ao frevo ensurdecedor, contagiante. O auge do carnaval de rua. A orquestra parando à porta das figuras de destaque da cidade. O povo bebendo de graça, o melhor da festa. Ninguém era dono de ninguém.
Passando a orquestra em frente de determinada casa comercial, seu proprietário, contagiado com a alegria geral, não resistiu ao ritmo trepidante do frevo de sua terra. Nem aos acenos dos amigos. Juntou-se aos foliões, fazendo evoluções, pulando loucamente.
Esquecera-se, entretanto, no afã da folia, de deixar na registradora as moedas do apurado, que trazia no bolso do paletó, em grande quantidade. A cada pulo, um montão de moeda saía-lhe do bolso e se espalhava no calçamento, indo cair, milagrosamente, aos pés de Lourival Amaral, que tocava à retaguarda.
O comerciante, com tanto entusiasmo na folia, não se dera conta disso.
Com a gratuita fartura caindo a seus pés, Lourival Amaral não contou conversa. Incontinenti, tirou o pistom de funcionamento e passou a apanhar uma moeda aqui, outra acolá, como galinha catando grão de milho no terreiro.
Como era de esperar, a bronca do maestro não tardou:
– Ei! Segure o compasso, Lourival!
Ouvido de mercador. A atenção de Lourival estava voltada para as pratas que tiniam no calçamento, catadas uma a uma, numa acrobacia espetacular, no meio da multidão enlouquecida.
Na primeira parada da orquestra, o maestro foi reclamar-lhe o desfalque do tão importante instrumento musical. Notado por todos da orquestra, a tremenda gafe poderia levar a uma rescisão contratual. O prestígio da orquestra estava em jogo e, bem assim, a garantia de novo contrato para o ano seguinte.
Lourival, com a maior cara-lisa, justificou-se, apalpando as moedas no bolso. Explicou-se, dizendo que havia entendido:
– Ei! Segure as pratas, Lourival!
(*) – Crônica revisada, extraída do Livro Festas de Santana (1977).
Maceió, agosto de 2020.
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