ESQUECIDO DA HISTÓRIA

Djalma Carvalho

Para iniciar a conversa de hoje, tive de recorrer sem cerimônia ao dicionário de mestre Aurélio, para dizer que cair no esquecimento significa sair da memória, desaparecer da lembrança popular, tornar-se esquecido.
Leitura de dicionário, esse grande e inseparável amigo do escritor, também era um dos hábitos, “obstinadamente frequentes”, de Graciliano Ramos, citado por Ivan Marques em seu livro Para Amar Graciliano (Faro Editorial, 1ª edição, São Paulo, 2017, pp.14/15).
Em meu livro Festas de Santana, páginas 21/24, rememoro os acontecimentos políticos em Santana do Ipanema de outubro de 1930, uma vez vitoriosa a chamada Revolução de 30.
Escrevi, então: “Havia estourado a revolução em todo o território nacional. O movimento, encabeçado pelos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, já estava vitorioso. Estávamos no último dia de outubro de 1930.”
Em Santana do Ipanema, com a chegada dos revoltosos vindos de Palmeira dos Índios, tratou-se da indicação do nome para o cargo de prefeito. Inicialmente, Pancrácio Rocha fora indicado, mas seu nome não mereceu a aprovação de sua mãe, Dona Maria Izabel Gonçalves Rocha (Sinhá Rodrigues). Em seu lugar, foi indicado Frederico Rodrigues da Rocha, sobrinho do falecido coronel Manoel Rodrigues da Rocha. Comitiva foi buscá-lo em Palmeira dos Índios. De madrugada, era Frederico empossado, solenemente, no cargo de prefeito do Município, em nome do Governo Revolucionário.
Estava deposto o prefeito Ormindo Barros.
Empossado prefeito, no curto espaço – 1930/1931 – Frederico Rodrigues da Rocha inaugurou no centro da cidade a reforma da Praça João Pessoa, calçou com lajes de pedra a Rua Cleto Campelo e metade da Praça do Centenário, hoje Praça Senador Enéas Araújo. Iluminou com lampiões a querosene os povoados de Olho d’Água das Flores, Olivença e Poço das Trincheiras. Melhorou a estrada de rodagem Santana do Ipanema–Palmeira dos Índios, até o limite dos dois municípios. Tudo isso com apenas 68 contos de réis.
Fundou a Sociedade Beneficente Cristo Redentor, da qual era presidente vitalício, em prédio construído na Avenida Martins Vieira, posteriormente entregue às freiras holandesas para a instalação da Escola Infantil Sagrada Família, de bons serviços prestados à educação santanense.
Frederico Rodrigues da Rocha fora empregado da próspera e bem organizada firma do tio, coronel Manoel Rodrigues da Rocha, tendo como companheiros de trabalho Waldemar de Souza Lima, Ostílio Melo, Antonino Albuquerque Malta e Domingos Gonçalves Lima.
Antes da existência de formados em Direito em Santana do Ipanema, os rábulas Frederico e Joel Marques exerciam, em lugar deles, a advocacia na cidade. Frederico era loquaz, bom discurso e não tinha papas na língua. Exaltados e eloquentes discursos de ambos se davam à tribuna das sessões do Tribunal do Júri, realizadas no antigo sobrado do centro da cidade, prédio há alguns anos demolido.
O capital amealhado ao longo dos anos Frederico emprestara-o a amigos comerciantes da cidade, passando a viver dessa renda. Morava sozinho, em casa própria.
Pois bem. O esquecimento político é trágico, tanto para o próprio político quanto para sua história perante a comunidade. É crime que se comete contra os pósteros encarregados de contar a história de sua cidade, desprezada, esquecida, então envolta na bruma do tempo.
Protagonista de fato político histórico, relevante, como se viu, Frederico Rodrigues da Rocha, que posteriormente exerceu o mandato de vereador por dois períodos (1955/1959 e 1959/1963), neste último período tendo sido primeiro secretário da Câmara Municipal, é hoje simplesmente personalidade esquecida, ignorada, descartada da história.
Nenhuma rua da cidade, ainda que em bairro pobre e distante, teve seu nome lembrado, para homenageá-lo, para resgatar sua memória.
Político esquecido significa personalidade de nome não mais lembrado, retirado da memória do seu povo, da história da cidade onde exercera mandato.
A irreverência popular diz que capim cresce em terreiro de político sem mandato, esquecido, descartado. As visitas de interesse político não mais se darão, desaparecem como que milagrosamente.
Leio na mensagem Desiderata, antiga inscrição, de 1864, encontrada numa Igreja em Baltimore, nos Estados Unidos, o seguinte: “Fale a sua verdade mansa e claramente. E ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e a dos ignorantes, pois eles também têm sua própria história.”
Em 1975, numa tarde de verão, entrevistei Frederico Rodrigues da Rocha, para escrever “A Deposição do Prefeito”, capítulo do meu citado livro. À época, residia ele numa casa de sítio, à beira da rodovia Santana do Ipanema–Olho d’Água das Flores.
Sentamo-nos. Calmamente, deu-me ele as informações de que eu necessitava. Contou-me, em retalho, sua história.
Tempos depois, inadvertidamente, coloquei fora alguns assentamentos da entrevista, porque já haviam produzido os efeitos desejados. Certamente foram também ao lixo dados pessoais do entrevistado, até agora ignorados. Sabe-se, apenas, que ele nascera em 03/2/1895 e falecera em 18/5/1982, aos 87 anos de idade. O cartório do registro civil de Santana do Ipanema não dispõe de nenhum desses dados (nascimento e óbito). Presume-se que ele tenha nascido em Águas Belas, Pernambuco, terra de origem do coronel Manoel Rodrigues da Rocha, seu tio. Era irmão de D. Hermínia Rocha, mãe dos desmiolados Agissé, Poni e Bebé.
Encerrada a entrevista, arrisquei duas perguntas. A primeira, sobre se na cidade existia alguma obra pública com seu nome. Respondeu: “Para puxarem em meu saco? Não.” Sobre se não tinha receio de morar sozinho naquele lugar, respondeu: “Aqui não tenho um tostão. Se me matarem é um favor que me fazem.”

Maceió, fevereiro de 2022.

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