CRÔNICA E CURSO NO RECIFE

Djalma Carvalho

Leio, mais uma vez e em forma de consulta, o livro Notas de Teoria Literária (Civilização Brasileira, RJ, 1976), de autoria de Afrânio Coutinho (1911-2000), professor, crítico literário e ensaísta.
Sobre crônica, disse o professor baiano: “A crônica é na essência uma forma de arte, arte da palavra, a que se liga forte dose de lirismo. É um gênero altamente pessoal, uma reação individual, íntima, ante o espetáculo da vida, as coisas, os seres.”
Guardo comigo esta histórica e bela frase que bem expressa o sentido da crônica, minha seara de longos anos de escritos, utilizando-a como gênero ensaístico em minhas manifestações literárias.
A crônica, como pequena produção em prosa, vem de longe, chamada de folhetim em recanto de página de jornal. Na verdade, a crônica nasceu em 1580, na França, com o livro Ensaios de Montaigne. No Brasil, coube a Machado de Assis, em 1859, definindo o folhetim, deu-lhe o nome e características de crônica, revestida de cores nacionais, “no estilo, na língua, nos assuntos, tomando proporções inéditas na literatura brasileira”.
Tenho em minha estante cinco preciosos livros de crônica: Crônicas Natalenses (Editora Diário de Natal, RN, 1999), antologia comemorativa dos quatro séculos da cidade de Natal, reunindo quarenta e três autores, entre os quais Luís da Câmara Cascudo.
Crônicas e 50 Histórias Miúdas (Cepe Editora, PE, 2016) e A Primeira Vez (Cepe Editora, PE, 2019), ambos de autoria de Joca de Souza Leão, festejado cronista que milita na imprensa pernambucana.
As Cem Melhores Crônicas Brasileiras (Editora Objetiva, RJ, 2007), antologia organizada por Joaquim Ferreira dos Santos que nela reuniu crônicas do período de 1850 a 2000, de autoria de vários expoentes da literatura brasileira, de Machado de Assis a Carlos Heitor Cony.
Para mim, uma experiência fantástica a leitura dessa produção literária em forma de crônica, num período riquíssimo da vida brasileira, nesse particular. Lendo, cuidadosamente, cada crônica, senti-me empolgado com o pulsar de tanto talento desses craques da literatura nacional.
Na douta e bela Introdução da Antologia, disse Joaquim Ferreira dos Santos: “A crônica brasileira tem uma cara própria, leve, bem-humorada, amorosa, com o pé na rua.”
Finalmente, em minha mesa de trabalho conservo -- lendo-o lentamente – o livro A Menina e o Gavião – 200 Crônicas Escolhidas (Cepe Editora, PE, 2015), de autoria de Arthur Carvalho, membro da Academia Pernambucana de Letras, advogado, experiente e talentoso cronista do Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco.
Leio seu volumoso livro (410 páginas) diariamente, até em adiantadas horas da noite, interessado em suas histórias curtas, em sua vida boêmia, profissional, amorosa, acompanhado de bons amigos, vivendo a beleza dos bairros do Recife, de ontem e de hoje. Afinal, vivendo a vida boa que Deus lhe deu.
Na crônica “Camaradagem”, páginas 268/269 do livro, o talentoso cronista trata do tempo em que frequentava, assiduamente, o restaurante do Hotel São Domingos, situado na Praça Maciel Pinheiro, no Recife, e, na Boate Negresco do hotel, “esticava a noite” recifense.
Lembrei-me, então, do Curso Básico de Supervisão, promovido pelo Banco do Brasil e realizado na agência Sete de Setembro, Boa Vista, no Recife, do qual participei no período de 20/3 a 23/4/1985.
Inicialmente, de bolso recheado de diárias para o período do curso, hospedei-me no então badalado Hotel São Domingos. O cronista Arthur Carvalho registra em seu livro “que nele se hospedavam delegações de grandes times de futebol, artistas de rádio, teatro e cinema, cantores famosos, prósperos executivos e tripulantes de empresas aéreas”. Pelé e Roberto Carlos foram hóspedes do hotel. De fato, em um dos elevadores me encontrei com o famoso cantor Cauby Peixoto, ali hospedado. Fiquei sabendo, também, que no hotel, costumeiramente, se hospedava Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
No primeiro ou segundo dia de aula do curso, proativos colegas aconselharam-me deixar o Hotel São Domingos para hospedar-me no Hotel América, mais modesto, situado numa esquina da mesma Praça Maciel Pinheiro, de preço mais acessível. Forma, de praxe, de juntar-me a um colega para dividirmos a diária recebida do Banco do Brasil. A diária assim partilhada permitia-nos tomar o gelado chope, à tarde, após as aulas.
À noite, ida à Cervejaria Mustang, situada em uma esquina da Avenida Conde da Boa Vista. Na Boate Aritana, bem pertinho dali, novas canecas de chope eram-nos servidas por belas e perfumadas garotas, educadas, seios nus, vestidas de curtas saias à moda indígena.
Afinal, se “a música espairece o espírito”, como disse Almeida Garret, canecas de chope gelado produziam igual efeito em nós outros, filhos de Deus.

Maceió, setembro de 2022.

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