Acabo de ler Alma das Catedrais, livro de autoria do padre Júlio de Albuquerque (1878-1963), editado em Portugal em 1926 e reeditado em 2012 pelo Centro Universitário – Cesmac, Maceió, como “uma imensa contribuição à memória literária das Alagoas”, no dizer da escritora Enaura Quixabeira Rosa e Silva.
Recebido de presente da professora Mary Lucy Melo Loureiro Lima, estive pacientemente, e por alguns meses, debruçado na leitura desse considerado “monumento à literatura barroca em Alagoas”, segundo palavras de Diógenes Tenório Júnior, ilustre membro da Academia Alagoana de Letras.
Sem exagero, nesse tempo todo estive de dicionário à mão, aberto, e em paralela e trabalhosa consulta a obras especializadas, para poder conseguir entender o significado da Literatura Barroca, gênero e estilo que escolhera padre Júlio de Albuquerque para escrever seu festejado livro na primeira metade do século passado.
Padre Júlio de Albuquerque, homem culto, era alagoano de Maceió, nascido em 26 de setembro de 1878 na Rua da Igreja, Jaraguá. Estudou nos seminários de Belém e Olinda. Em Belém, em virtude de dificuldades financeiras dos pais, viu-se obrigado a interromper seus estudos religiosos, passando, aprovado em concurso, a trabalhar na Alfândega da capital paraense. Regressando a Maceió em 1901, concluiu seus estudos no Seminário do Farol, Alto do Jacutinga. Ordenado sacerdote em 1907, foi designado vigário de Anadia, Traipu, Pão de Açúcar, Murici e coadjutor da Catedral Metropolitana de Maceió. Em 1921 assumiu a paróquia de São Miguel dos Campos, de onde, em 1955, premido por doença, voltou a Maceió, nomeado capelão do Pensionato da Virgem Poderosa, Pajuçara.
Teve toda sua vida devotada à religião católica, ao sacerdócio, dedicado ao estudo de obras clássicas, do latim ao grego, à literatura e à imprensa como colaborador, tendo sido fundador da Academia Alagoana de Letras. Estudioso da língua portuguesa em toda a sua extensão, padre Júlio de Albuquerque era filólogo, polímata e vernaculista primoroso.
Homem culto, sobre seu saber, dele disse o dicionarista Antenor Nascentes, citado por Enaura Quixabeira, escritora e pró-reitora do Cesmac: “Maestria de estilo e fraseologia escorreita.” Por seu turno, a escritora alagoana de sua época Guiomar Alcides de Castro a ele assim se referiu: “Sábio e santo.”
Publicou Alma das Catedrais e À Hora do Ângelus. Deixou inéditos Retalhos d’Alma (escrito aos 18 anos) e Canto do Cisne (poema e prosa). Em crônicas: Roseiral Mariano, Aquarelas Marianas e Hiperdulia.
Sobre suas próprias obras, disse padre Júlio de Albuquerque com o título “Vestíbulo” inserido no início de Alma das Catedrais, página 17:
Escrevi-as nas horas mansas, cheias de beatitude, que passam sem nelas se dar tento, horas acrômanas em que o pensamento esmadrigado voa à ventura, engenhando frases que vêm vindo umas após outras. Bailando na imaginação em farândola de ideias.
Como disse no início desta conversa, tive muita dificuldade na leitura de Alma das Catedrais, porque permanentemente estive a consultar dicionários da língua portuguesa, tal o feixe de vocábulos por mim desconhecidos, ou sem uso frequente na literatura brasileira, encontrados ao longo das 191 páginas do livro.
Na verdade, sempre à minha frente, para consultas, algumas páginas sobre Literatura Barroca. Nascido na Itália, o Barroco sucedeu ao Renascimento, no final do século XVI (1580) e do final do século XVIII (1750). Aquele de excessos expressivos, redundância e abundância de detalhes. Este de clara e sóbria racionalidade.
Sobre o Barroco, bem o disse Artur de Almeida Torres às páginas 20/22, em seu livro Literatura e Gramática, bem como a Enciclopédia Wikipédia: pompa verbal, expressões suntuosas, prolixas, abundantes em imagens literárias, jogos mentais, paradoxos; estilo de difícil compreensão, ataviado, rebuscado, pretensioso, confuso, afetado e alambicado.
No Brasil, tivemos os seguintes autores do barroco: Bento Teixeira, Gregório de Matos, Padre Antônio Vieira e Manuel Botelho de Oliveira.
No livro de padre Júlio de Albuquerque, no longo discurso (17 páginas) do seu “Elogio Acadêmico”, que marcou sua posse na Academia Alagoana de Letras, Cadeira nº 7, lê-se:
... assim ia indo, dizia, coxeando pelas colunas do velho “Gutenberg” e do “Evolucionista”, naquelas horas em que toscanejavam os que lhe eram vigias, mareiando-lhes muitas vezes a refulgência com o pleismo de ideias desatadas, como gavelas soltas trazidas da eira do pensamento, para o celeiro dum público famulento de saboroso pábulo espiritual, deslembrado da Verdade que falou Bilac: “porque o escrever, tanta perícia, tanta requer,/ que ofício tal.../ nem há notícia, de outro qualquer.”
É de Imaginar-se, a propósito, que boa parte da fina plateia de convidados, constituída de intelectuais alagoanos, estivesse cochilando ao final da leitura do longo discurso do novel acadêmico.
Teria padre Júlio usado linguagem culta e erudita característica do barroco em seus discursos sacros, no púlpito das igrejas por onde andou, como devoto, pregando a fé cristã? Também no silencioso e confidencioso confessionário, aconselhando seus paroquianos? Não sei.
No final da década de 1950 e início da década seguinte, eu costumava ler e apreciar as crônicas bem escritas de padre Júlio, representando São Miguel dos Campos, publicadas, aos domingos, no Suplemento Literário, denominado ”Página dos Municípios”, do Jornal de Alagoas.
Por essa época, a partir de 1959, escriba iniciante, também tive minhas crônicas acolhidas no mesmo Suplemento Literário, destinadas ao espaço reservado a Santana do Ipanema. Algumas delas, afinal, foram inseridas em meus livros posteriormente publicados. Aleluia!
Maceió, agosto de 2022.
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