Continuo admirador de Ariano Suassuna. Continuo apreciando, e muito, as histórias engraçadas que ele contava diante de atento e seleto auditório pelo Brasil afora, gravadas em vídeos, muitos dos quais pertencentes ao acervo da TV Afiada.
De voz rouca, fala mansa, compassada, bem-humorado, Ariano Vilar Suassuna (1927-2014) não escondia o inconfundível sotaque do sertanejo nordestino, nem sua orgulhosa condição de cidadão paraibano.
Filho de presidente de estado (atual governador), ele nasceu em Palácio, em João Pessoa, mas viveu boa parte de sua juventude na cidade de Taperoá, também na Paraíba. Nessa cidade, conviveu com personagens dos seus romances e com os das peças que escreveu para o teatro.
Era formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, mas durante poucos anos exerceu a advocacia. Já residindo no Recife, e ante sua “inquietação criadora”, a partir de 1948 começou a escrever várias obras, dedicando-se à literatura, como dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta.
O teatro foi sua paixão. Fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco e o Teatro Popular do Nordeste.
É vasta a contribuição de Ariano Suassuna à literatura e à cultura brasileira, notadamente à cultura nordestina. Valorizou a fala regional e o seu folclore, seus folguedos e danças. Escreveu quinze peças para teatro, publicou seis romances e seis poemas, entre sonetos, antologia e ode. O romance Ilumiara é obra póstuma composta de dois volumes.
Sua obra-prima é o Auto da Compadecida, datada de 1955, adaptada, com sucesso, para a televisão e para o cinema. Comédia dramática, originária da Idade Média, narrativa de fundo religioso e popular, uma mistura de santos e demônios, em que tudo acontece na Terra e no Céu. Atmosfera profana, pagã, entre o sério e o jocoso. Os condenados, depois de mortos, são julgados no céu por seus pecados e virtudes.
Disse ele, certa vez: “Em quase todo o meu teatro, um pouco por causa da natureza da sátira (...), eu passo o tempo todo julgando os outros e a mim mesmo, observando ou condenando os bons e os maus.”
Irreverente e crítico de certos costumes e modas. Ao final de cada história contada e de episódios por ele vividos, recebia o aplauso consagrador, a palma calorosa e a risada geral do auditório.
Em recente exibição do vídeo de uma Aula-Espetáculo, realizada em auditório paulista, Ariano Suassuna disse que gostava de mentiroso e de doido. Entre João Grilo e Chicó, personagens do Auto da Compadecida, ele se identificava mais com Chicó, por ser mentiroso.
De mentiroso, por exemplo, contou a história de um velho e conhecido amigo, morador do Recife, sobre o fabrico do delicioso mel de abelha.
As abelhas, como se sabe, coletam pólen e néctar das flores, certamente durante o dia. Por sua vez, o vaga-lume é inseto de órgãos fosforescentes que faíscam na escuridão noturna.
Pois bem. Para obter maior produção dos seus cortiços, o velho mentiroso disse ter misturado, engenhosamente, metade de abelha com metade de vaga-lume. Desse modo, as abelhas assim “misturadas” passaram a fabricar mel, de modo contínuo, dia e noite.
Não se sabe, afinal, se a nova abelha, a “misturada”, teria passado a chamar-se “Abelhume”...
Maceió, junho de 2020.
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