ILUSÕES DOS ENCARNADOS

Clerisvaldo B. Chagas

ILUSÕES DOS ENCARNADOS
(Clerisvaldo B. Chagas, 4 de janeiro de 2011)

A complexidade de matérias específicas nas mais diversificadas áreas do Saber, pululam nas universidades. A observação arguta do cotidiano, porém, parece ser a mais proveitosa para as relações humanas que acumulada, chama-se experiência de vida. Para os bons observadores, essa sabedoria chega mais cedo; para outros inquiridores, só com idade avançada vira poço de conselhos e, para a grande maioria, não existe observação alguma. Essa vai passando pela vida como a percorrer um longo corredor sem janelas, sem paisagens, sem interrogações. Não são poucos os que se iludem com “carguinhos” ou cargos elevados nos mesmos erros dos corredores sem janelas.
Em uma das suas inúmeras músicas, Luiz Gonzaga fala de uma besta muita bonita e bem arreada que possuía. Desfilava na cidade, vaidoso de ser o centro das atenções. Observado sempre por uma bela mulher, dirigiu-se a ela, certo de ter conquistado uma namorada em seu passeio. E qual não foi à surpresa quando a mulher dissera apenas que estava interessada na besta! Ele não era visível àqueles olhos femininos. Bem assim são os que estão montados em seus cargos pensando que são os admirados da vez. Ao deixarem as funções, um olhar sequer não capta em suas direções. O cargo, a função, vale mais do que o homem. Certa vez uma prostituta largou um indivíduo no maior amor para atender imediatamente a outro desconhecido que chegava numa carreta. O primeiro cliente ─ que viera de carro novo ─ protestou contra o ato descabido. E a mulher, com o mesmo cinismo da sociedade, mas direta nas convicções, respondeu que apenas trocava um homem de quatro por outro de dezoito pneus.
Essa situação foi comprovada pelo senhor Fernando Braga Costa, psicólogo social com sua tese de mestrado da USP. O homem sempre cumprimentado por todos, vestiu o uniforme de gari e passou a varrer as ruas da universidade. Um mês como gari, com vencimentos de 400 reais, trabalhando meio período, Fernando diz nunca ter recebido um só bom-dia nessa fase em que a função e o uniforme fizeram-no invisível a todos. Mesmo nos esbarrões com professores, colegas ou estudantes não saíam sequer um pedido de desculpa. Estava comprovada a tese da “Invisibilidade Pública” que a ele causava grande sofrimento. Pessoas não valorizam pessoas (regra) só enxergam a função social do outro.
Se por um lado a multidão só enxerga o cargo, o vaidoso do cargo só enxerga os bajuladores, os chamados gansos sem limites. Ao deixar o poder, os capachos afastam-se como os urubus distanciam-se da carniça com a presença do perigo. Logo depois retornam ao banquete com o novo indicado. E os estudiosos da vida vão filtrando a essência com argila, areia e o cascalho da paciência. Enquanto isso continua a viagem da nave bojuda que recolhe orgulhos e ILUSÕES DOS ENCARNADOS.

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