FILHO DA TRADIÇÃO
Clerisvaldo B. Chagas, 24 de junho de 2011.
Filho legítimo da tradição junina, noite de São João fora de casa, nem pensar. Disponível o ano inteiro para viagens, menos nas noites sagradas do São João e Natal, vamos mantendo a vontade de está em casa. Enquanto puder acender a fogueira do santo na rua pavimentada com pedras, vamos mantendo o ritual bendito das raízes, dentro do mais puro segmento interiorano nordestino. Faz parte da festa à peleja para acender a madeira misturada componente da fogueira. Os tufos insistentes da fumaça, o molejo da palha no abano comprado na feira, o esvaziamento da caixa de fósforos sem consistência, vão permitindo o recado do Criador que você ainda vive. Como o poder aquisitivo deu direito ao som para todos, o abuso musical acontece pela vizinhança, no padrão “ninguém pode conversar”. O milho chega ao momento certo e vira consumo nas mais variadas formas. As bebidas estão aí, para quem bebe e quem não bebe diante do churrasco tentador que tempera a conversa dos compadres. Não, não adianta telefonar me chamando que eu não vou, meu amigo. Já disse que noite de São João não saio de casa. Estão ali na mesinha, o quente e o frio se você me visitar, mas ir para lá, vou não. Não tem quem me faça, é assim que se diz por essas bandas.
Quando os legítimos forrós do Rei do Baião vão desfilando, trazem a saudade danada de cada São João, de cada momento vivido, de cada item familiar que acompanha o tempo. Os olhos não resistem e, devagar, empurram duas lágrimas rebeldes que bem traduzem a dormência da alma. Ninguém percebe. Ninguém deve perceber o que é só meu. Deixe meu mundo interno escorrer até o copo tinto de vinho suave. As chamas do atilho queimam o angico, a aroeira e vai temperando uma nostalgia que maltrata. Uns olhos verdes e tentadores que chamam por cima do fogaréu. O Sol ardente do Sertão que tange um amor para os juazeiros, baraúnas, quixabeiras. Uma sequidão terrena que se mistura à seca de beijos, de nexos, de sexo. Suaves carícias no pipiri das caatingas. Arrulho de pombas rolas nos galhos retorcidos. Coaxar nas lagoas de inverno. Invasões temporárias de sentimentos viajados. Lençóis cheirosos sobre corpos sensuais. Despertar de um passado diante da fogueira. A fogueira de São João.
“O fole roncou
Lá no alto da serra
Cabroeira da minha terra
Subiu a serra
E foi brincar
Eu sei que morro
De faca, de carabina
Mas o amor de Joventina
Me dá força pra brigar...”
A chama da fogueira continua passando filme. Permanece, entra ano sai ano, reforçando um FILHO DA TRADIÇÃO.
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