Os que amam o poder

Adriano Nunes

Como bem disse Jacques Rancière, "o pior dos governos: o governo dos que amam o poder e são hábeis em se assenhorar dele". Sim, há uma miríade de pessoas que mataria e morreria (mataria, principalmente!) pela conquista do poder de mandar, governar, dirigir, chefiar outras pessoas. Tais pessoas se descrevem, diversas vezes, para disfarçar a sua Wille zur Macht, como "escolhidas", "eleitas", "representantes", "abençoadas", "iluminadas" ou alegam ter tido algum tipo de "mérito", geralmente batem no peito que "se esforçaram", que "se dedicaram", que "estudaram muito" e que, por isso, têm condições de estar acima dos demais como um guia. Ou simplesmente usam da força e da violência para saciar o próprio apetite por poder.

Desde os tempos primordiais, conhecimento, força e astúcia têm servido de meios para que pilantras, falsários, autoritários, ditadores e tiranos façam a festa da docilidade, da ingenuidade e da obediência, etc. E crença, fanatismo, pobreza, miséria e desconhecimento, falta de conhecimento, conhecimento distorcido, conhecimento falso, etc têm, de algum modo, produzido, em série, um séquito capaz de realizar ou de deixar realizar os sonhos dos que amam o poder: o sonho da servidão voluntária ou da escravidão forçada, imposta.

Tanto uma quanto outra podem ser disfarçadas por vestes democráticas. Daí, não há espanto ao constatar que chegamos ao século 21 com pessoas elegendo políticos extremistas, negacionistas, obscurantistas, racistas, etc e tal, tendo no século 20 vingado três ideologias nefastas que deveriam servir de alerta civilizatório: fascismo italiano, nazismo alemão e stalinismo soviético. Três grandes eventos que nos cospem na face que já deveríamos bem saber algumas sérias e importante lições políticas:

1. Não se deve crer que há salvadores da pátria! Mussolini, Hitler e Stalin apresentaram-se, cada um a seu modo, como divindades escolhidas, como predestinados a fazer as suas nações gigantes, imbatíveis, milenares. Fizeram promessas dantescas que iam desde questões morais e comportamentais da vida privada até questões sociais, culturais e econômicas. Eram pessoas que amavam o poder acima de tudo. Falhos em essência. Gravem bem, se possível: nenhum político foi enviado e nunca será enviado por divindade alguma. Estão, sim, presos à esfera humana.

2. Não se deve seguir uma massa acrítica, agir e pensar como gado que segue para o matadouro. O pensar e o agir homogêneos é típico das ideologias totalitárias. Duvide de receitas sociais e políticas que querem pôr todos e todas no mesmo pacote, como se as pessoas não tivessem quaisquer diferenças.

3. Não se deve desprezar a razão crítica, desprezar as liberdades. Liberdade de expressão e de imprensa são, de alguma maneira, pilares democráticos. Liberdade de crer e não crer, isto é, o Estado laico, também. Desconfiem de quem clama por queima de livros, quem defende a censura, quem ameaça jornalistas e quer fechar ou limitar redes televisivas, revistas, jornais e rádios. Sempre é possível fazer reflexões reflexivas sobre os acontecimentos presentes, sem desprezar as lições do passado.

4. Desconfiem veementemente de quem se apresenta como defensor voraz de algum valor ou princípio moralizadores, tais como pátria, família ou religião (deus ou deuses) pondo-os acima de tudo ou todos, ou que são arautos da honestidade e dos bons costumes, os que se dizem caçar marajás, os que se querem paladinos da justiça, os que se veem como combatentes ferrenhos da corrupção. Não confunda o homem moral (ou a mulher moral) com o moralizador. O moralizador quer impor às pessoas uma moral que ele mesmo não exerce. O homem moral (ou a mulher moral) dá-se às virtudes e à etica. Pôr qualquer valor ou princípio moralizadores acima da vida e das liberdades é uma furada, uma armadilha perigosa. Em nome desses valores ou princípios, muitas arbitrariedades, covardias, injustiças, violências e assassinatos já foram cometidos.

5. Toda e qualquer ideologia deve ser criticada, seja de esquerda, centro ou direita, religiosa. Tudo que quer escapar à crítica deve ser tomado como suspeito, podendo até mesmo ser perigoso.

6. E também importante: se um político (Presidente, Governador, Senador, Deputado, Vereador) desprezar a VIDA dos seus cidadãos e suas cidadãs em nome da economia, do comércio, do mercado, das riquezas, do poder, etc e tal, LEMBREM-SE DE QUE NÃO HÁ NADA SEM VIDA. A VIDA PRECEDE QUAISQUER ATOS, AÇÕES, RELAÇÕES, INSTITUIÇÕES HUMANOS. OU SEJA: SE NESTA PANDEMIA OU FORA DELA, A SUA VIDA POUCO IMPORTAR PARA ALGUM POLÍTICO, ACORDE DA ILUSÃO DEMOCRÁTICA DA REPRESENTAÇÃO. APRENDA A ESCOLHER QUEM RESPEITA A VIDA, SEM DISTINÇÕES, E AS LIBERDADES.


Adriano Nunes

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