O mundo não vai bem, nem eticamente, sequer social e politicamente. O fato de uma onda crescente de políticas extremistas e de obscurantismo levantar-se contra as ciências, as artes e a filosofia, deveria, por si só, pôr-nos em alerta. O mundo parece estar, para os que se comportam e pensam com a consciência de séquito, de massa, de rebanho, mesmo polarizado, numa luta entre o bem e o mal. Há um porém: perguntem, a cada um dos lados, quem é o bem e o mal nessa querela anti-humana! Mas não só: a polarização está impregnada de interesses ideológicos relativistas, de ambos os lados, isto é, a ideologia só funciona, só opera, de acordo com os “fundamentos” e “princípios” ideológicos, quando estes atendem a interesses políticos partidários para certa situação. A contradição é o clichê.
A questão da adolescente Greta Thunberg, de 16 anos, é um exemplo típico. Ela vem sendo atacada tanto pela esquerda extrema (como também por algumas alas da esquerda não extremistas) quanto pela direita extrema (que, atualmente, tem até entre os seus adeptos, liberais!). Os esquerdistas extremistas dizem que ela é produto de uma conspiração dos capitalistas. Os direitistas extremistas acusam-na de comunista. Greta? Ela acusa todos esses aí, a politicalha que, a serviço de uma ética do egoísmo e do horror, põe em risco a humanidade. Como estas duas alas políticas não se entendem, porque são antípodas correspondentes e complementares, sobra mesmo para a humanidade. Impera, nesta perspectiva, o verdadeiro irracionalismo, aquele que legitima o caos e a barbárie.
No discurso de Greta, proferido na ONU, não há irracionalismo, pois ele aponta e denuncia uma obviedade, ou melhor, uma evidência científica: o mundo pode entrar em colapso se não houver medidas que protejam e garantam a existência para gerações futuras. Não se pode confundir irracionalismo com sentimentalismo. O discurso foi sentimental, mas não irracional. O discurso foi um ato corajoso contra o mundo da técnica desmedido, sem limites, aquele exposto por Heidegger.
Sobre “instrumentalização” é preciso ter cuidado com esse termo, pois, neste sentido, empregado rotineiramente pela extrema direita (mas não apenas por ela!), parece dizer que qualquer pessoa, quando defende certas pautas, está a priori ideologicamente comprometida. Assim, por exemplo, uma criança ou adolescente podem ser considerados “conscientes” e não “instrumentalizados” quando cometem “crimes”, (ora, não é justamente a extrema direita que quer a redução da idade mínima para criminalizar crianças!? Ou não houve intenção até até PL com idades de mesmo 8 anos, nesse sentido?), mas no caso da defesa de uma “pauta humanista”, o objeto da crítica reverte-se num relativismo perigoso.
Quando Malala Yousafzai criticou e denunciou os abusos que sofria por ser uma criança sem liberdade e sem direito a estudar, também estava sendo “instrumentalizada”, “vítima” de uma ideologia que a fez denunciar tais arbitrariedades? O problema é que a ética do egoísmo quer ganhar espaço onde a racionalidade impera. Infelizmente, vamos nos deparar com discursos tanto da esquerda quanto da direita distorcendo fatos, querendo que as verdades fatuais atendam a sua Wille zur Macht. Essas ideologias esquecem-se de que os fatos são o que são.
A questão não é só parar de atacar a Greta. O discurso em si, indubitavelmente, pode ser alvo de críticas. A crítica é salutar numa democracia. A questão é reconhecer que Greta é humana e, na esfera humana, dadas as condições sociais modernas, ainda que criança/adolescente, pode ser capaz de refletir sobre o mundo em que quer viver. Ou, ao menos, tentar refletir sobre isso! Ter direito à vez e à voz! Irracionalismo é compactuar com relativismos mórbidos que pendem, de um lado para o outro, de acordo com os interesses partidários. As pessoas querem, agora, a todo custo, institucionalizar a consciência dela: seja desclassificando-a como incapaz de percepções exteriores, seja através de fake news, dotando-a de uma posição política estigmatizada. Um horror!
Adriano Nunes
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