A ética do egoísmo
A ética do egoísmo é aquela que a priori não põe entre os seus fundamentos quaisquer preocupações com as gerações futuras. Ela baseia-se numa premissa sub-reptícia de que só existem indivíduos e não existe a sociedade. Nesta perspectiva, o indivíduo é o que é apenas por causa de si. Os outros são os outros indivíduos. As inter-relações se passam unicamente entre indivíduos. Se não há sociedade, parece que, para os que defendem essa ética do egoísmo, tudo se resolve no plano unidimensional da individualidade. No máximo, alarga-se para os laços familiares. Nada mais que isso.
Voltemos no tempo. Uma das características do fascismo, principalmente o nazismo alemão, era fazer com que cada indivíduo se sentisse apenas indivíduo, sem quaisquer laços sociais. Está lá dito por Hitler em Mein Keimpf. É fácil manipular as massas quando os indivíduos são só indivíduos e não têm nenhum liame social, nenhuma preocupação com o todo social.
Ter preocupação com o todo social não significa desaparecer neste todo, não significa sujeitar-se a este todo. Nenhum indivíduo é o que é sozinho. Os que defendem isso são, no mínimo, desonestos intelectuais. Digo “desonestos” porque eles mesmos sabem ser produto de inter-relações humanas complexas com indivíduos, estruturas, agências, Estados, sociedade. Todavia, preferem defender o indefensável porque são, no fundo, egoístas. Sim, eles procuram dar uma justificativa “ética” e “moral” à palavra “egoísmo” e “indivíduo”.
Para esta ética nefasta, os que são vulneráveis, os necessitados, os que ficam pelo caminho, os que são esmagados pelo curso histórico humano, são apenas vítimas de si. Por que então se preocupar com o outro? Não é verdade que essa ética queira erguer todo e qualquer indivíduo a um patamar de “indivíduos” iguais. É justamente o horror à igualdade que fez e faz com que pessoas defendam políticas anti-humanas.
Do mesmo modo que, em Estados totalitários, o poder reduz as pessoas a uma massa de indivíduos sem identidades, sem laços sociais, dão-lhes uma “igualdade” sem direitos e sem dignidade, as ideologias que defendem a ética do egoísmo fazem: transformam os indivíduos em uma massa de indivíduos sem identidade, sob o argumento de que, assim, são livres (de que mesmo?) e capazes de exercerem a sua Wille zur Macht in totum.
Não se espantem, quando sob esta perspectiva, pessoas passam a acreditar que os miseráveis merecem ser miseráveis. Que índios merecem perder as suas terras, existência, que a proteção ambiental é balela e hipocrisia, que LGBTQI já têm direitos demais, que mulheres merecem ser estupradas, que negros deveriam estar na África ou nas senzalas, que bandido bom é bandido morto, etc e tal. Sim, esta ética promove, de algum modo, o culto à indiferença e à violência, porque não há violência maior do que aquela que se engendra contra a própria existência humana.
Para a razão crítica, a ética do egoísmo promete algo irrealizável do ponto de vista humano, pois esta imagina e defende ser possível a convivência (já que não há sociedade!) entre indivíduos em sua individualidade plena.
Não é preciso, aqui, talvez, lembrar Thomas Hobbes e a sua máxima (adaptada!) “bellum omnium contra omnes”. Onde há apenas uma massa de indivíduos, é a violência que impera livremente. Diversos estudos demonstram que onde as relações sociais são frágeis ou mesmo inexistentes, o número de suicídios aumenta categoricamente. Mas não só! Onde só há indivíduos, estes procuram meios de destruírem-se, por si mesmos, por não encontrarem sentido real que faça valer a existência. Ninguém se faz pleno numa individualidade abstrata e indiferente à sociedade, aos valores, crenças, à cultura, tradições, práticas, discursos, atos, enfim, tudo que o influencia positivamente e negativamente.
Adriano Nunes
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