"Inércia e Terror"

Adriano Nunes

"Inércia e Terror"


Quando o Estado democrático e as suas instituições ficam inertes ante atos arbitrários, atentados às liberdades, violências e crimes, é possível que ou o Estado se transmute em um Estado autoritário (ou mesmo totalitário) e/ou a sociedade civil passe a achar que tais atos são legítimos, naturais e justos. Aqui, isso será evidenciado com 2 exemplos inesquecíveis cujas consequências foram funestas para a democracia, para a sociedade civil, para o mundo:

1. Em 16 de novembro de 1919, os fascistas perderam as eleições italianas, de forma considerável, para os socialistas: de 270 mil votantes de Milão, os fascistas obtiveram apenas 4.657 votos, por exemplo. Mussolini obteve apenas 2.427 votos preferenciais. Era um fracasso total! Nenhum fascista foi eleito. E, nas ruas, os fascistas e Mussolini eram ridicularizados. Sem aceitarem intimamente a derrota, Mussolini e alguns fascistas tramam e promovem um atentado contra os socialistas que comemoravam o feito político. Mussolini costumava dizer que "uma bomba vale mais do que cem comícios". Assim, Albino Volpi, em 17 de novembro de 1919, sob ordens de Mussolini, atira duas granadas Thévenot sobre a multidão. Não demorará muito e um dia depois quase todos seriam presos, inclusive Mussolini. Mas, como agiu o Estado - aqueles que detinham legitimamente o poder político e jurídico? Mussolini não ficou preso sequer 24h! E pior: ele é liberado após um telefonema de Luigi Albertini, senador do Reino, diretor do Corriere della Sera, a Nitti, convencido de que o destino do fascismo estaria marcado pelo desastre eleitoral, tentando, assim, convencer o presidente do Conselho a liberar Mussolini, através de um argumento típico liberal do qual ele é um dos principais expoentes italianos: “Mussolini é uma ruína, não façamos dele um mártir.” Os atos e as violências dos fascistas eram, quase sempre, minimizados ou relativizados. Todos sabem o que acontecera a seguir.

2. Em 9 de novembro de 1923, Hitler, Göring e o general Ludendorff iniciaram um levante contra a República de Weimar que ficaria conhecido como o Putsch de Munique ou o Golpe das Cervejarias. O golpe é um fracasso, Hitler é acusado de alta traição, condenado a 5 anos, mas só cumprindo 8 meses! Vale lembrar ainda que o NSDAP (Partido Nazista) sempre foi, desde a origem, antissemita, antirrepublicano e adepto à violência como meio político. Os nazistas desfilavam abertamente e livremente, propagando as suas ideias racistas e discriminatórias sem que o Estado agisse rigidamente. Havia uma tolerância mórbida, uma inércia incompreensível, como se as instituições estivessem funcionando mal ou de modo distorcido, como se estivessem a obedecer a algum preceito religioso, a uma religião política. A vida e a democracia pareciam pouco importar. E vale ainda recordar que o presidente Ebert menosprezou o grupo radical nazista, considerando-o excêntrico e sem importância. A partir de 1924, quando Hitler sai da prisão, antes do prazo, todos sabem bem o que aconteceria.

No Brasil, estamos assistindo a um desprezo pela vida, pela cultura, pela educação e pelas ciências, grupos extremistas fazem ameaças abertas às instituições, inclusive ao STF, há uma politização funesta da pandemia e tudo parece estar sob a égide da liberdade de expressão. Tudo parece ser mesmo nada ou quase nada grave para o Congresso e para o sistema Judiciário. Que os exemplos dados sirvam de alerta civilizatório, que possam engendrar reflexões reflexivas sérias. Cada espaço cedido a extremistas e fundamentalistas é um perigo para todos e todas, uma ameaça destruidora à vida, à democracia, à civilidade.


Adriano Nunes

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