Mundo lagunar forrado por caibros abrigos de morcegos era lido por sobre os telhados. Quantas vozes se ouviam dentro dos prédios, das casas, nas calhas dos rios, nas lagoas? Becos de cãeschorros, pés ligeiros, homem de chapéu de feltro, de palha de ouricuri.
Os pés apressados de Cleobulina percorreram o Trapiche da Barra. O Caminho da Vila é, como se dizia, o velho Porto da Lagoa Mundaú. Onde moravam as velhas amigas de Cleobulina. Esmeralda, mulher de Quasímodo, morava no Trapiche.
Os bairros ligavam praias, ruas com pavimentos, calçadas, solares, casas, casarões, prédios públicos, mangues, becos imundos, lama, avenidas, vilas de pescadores, ruas mal cuidadas, armazéns, servidão de passagem.
Longe de Mangabeira, na Feira do Passarinho, vozes polifônicas invadiam o aperto entre as barracas, entre as feirantes, entre as toldas, os vendedores de peixes, frutos do mar, as vendedoras de doces, vendedores de conversa fiada e os batedores de carteira. Vozes polifônicas em toda a parte.
Um vendedor de xarope, na Feira do Passarinho:
Acabe com todas as suas queixas! anunciava o ambulante com a carroça repleta de garrafas com o líquido verde escuro que, com o balanço do transporte, provocava espuma e mudança na cor do conteúdo. Hoje, eu anuncio todo o fim de doenças. Fim do câncer, fim da morte, da tuberculose, da angústia, todo o fim da esperança, todo o fim da ingratidão e o fim do desespero, do pessimismo, da melancolia, do amor ceticista. Aproximem-se. Venham todos, venham logo. Não tenham cerimônias. Venham conhecer o modernismo. É o fim de todos os males nacionais, internacionais e, por via das dúvidas, intergalácticos. Fim do fim do simbolismo, que tanto atormenta os seus nas ruas, o fim do parnasianismo, que tanto atormenta as suas noites. Esse é o elixir que livra a existência da solidão, da tragédia na podridão humana, o elixir que vai desopilar a mente das insanidades cotidianas.
Uma vendedora de frutas, na Feira do Passarinho:
Hoje, eu trouxe à feira todas as frutas que Alagoas oferece aos alagoanos. Venham conhecê-las. Não empurrem. Façam filas. Há frutas a todos os gostos. Nas frutas há água, há carboidratos, vitaminas, minerais, fibras, frutose. Venham combater a prisão de ventre, diminuir o colesterol, prevenir o câncer, manter os minerais, não perder ferro, cálcio, potássio, magnésio. O preço cabe no bolso de todos. Não saia daqui sem vitaminas A, C, E. A jaca é rica em fibras, magnésio, fósforo, cálcio. A melancia é rica em sais minerais, é fonte das vitaminas C e do complexo B. o caju reforça o nosso sistema imunológico, é fonte de zinco e ferro.
Mal havia amanhecido na Feira do Passarinho. Cleobulina estava lá antes mesmo do sol. O voo de murucututu anunciava o dia sob o sol de ouro de Maceió. Alvorada batia matraca rua a cima rua a baixo. Acima a Rua do Fico, abaixo a Rua do Troco.
D. Libélula Grácil, na Feira do Passarinho, chamada Lavabunda, ocupava a feira desde às primeiras horas da manhã. A mãe dela também era a D. Libélula Grácil, que lia a sorte nas linhas das mãos, que lia as cartas, que praticava todas as adivinhações imagináveis e inimagináveis, leu a sorte de Cleobulina:
Reúna todo o dinheiro que amealhou em Maceió e enterre-o numa botija.
Que botija! disse incrédula Cleobulina.
Se não quiser, deposite numa conta poupança.
Por quê? surpresa com o que D. Libélula Grácil via nas cartas.
Porque daqui a 25 anos receberá o diagnóstico de câncer.
D. Libélula Grácil, a filha e não a mãe, berrava desde cedo e atravessava o dia na Feira do Passarinho, anunciava o pôr do sol, o apartamento da Estrela D'Alva, das Três Marias, do Cruzeiro do Sul, do licopeno no tomate. Começava a anunciar, antes das primeiras luzes da manhã, com a plenitude de sua força vocálica, que fazia as cordas vibrarem.
O Prof. Monótono, na Feira do Passarinho:
Nossos biomas são a Caatinga, a Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal, e o Cerrado. Nosso planeta é o planeta Terra. Ele possui três camadas. São elas a crosta, o manto e o núcleo. Acima dela, as camadas são a estratosfera, a mesosfera, a termosfera e a exosfera. A base da nossa língua é o latim vulgar. O que seria da comunicação se não fossem os palavrões e as palavrinhas? Nós começamos a conhecer a nossa língua pela fonética e pela fonologia. Gramática é o tropeço na língua. Ortografia é a enxaqueca incurável. Primeiro aprendemos a contar lorotas, depois a somar mentiras, seguimos na aprendizagem diária das subtrações, assim conhecemos as formas geométricas de nossa existência.
Em Mangabeira, longe da Feira do passarinho, no refeitório da pensão da filha da viúva Dodona, que mora em Cruz das Almas, os hóspedes conversavam:
“Eu não era de beber tanto assim quanto vinha bebendo ultimamente.”
...
“Passavam o Natal, o Ano-Novo, o Carnaval, a Quaresma...”
...
“O meu pai acreditava na capacidade da mulher. O seu não?”
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“Era importante repetir sempre. O que importava no churrasco era o sabor que ficava na boca dos moradores da pensão. Eles passavam à tarde do domingo em torno de bons bocados e o cheiro de churrasco incensando a rua.”
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“Antes, o Brasil todo sabia que os jornais traziam no editorial as receitas de comida e os poemas de Camões.”
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“E quando lhe perguntei por que estava ali. Respondesse: por dinheiro”
“E por que mais?”
“As duas não existiam!”
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“Talvez eu tomasse a saideira.”
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“Às vezes, eu era surpreendida pela vontade de cantar; queria começar a cantar e não parar nunca mais. Morrer cantando era melhor do que morrer com a caneta, o papel, o livro caixa e a máquina fazendo contas sem parar nunca.”
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“Um amigo dos meus pais era dono de jornal; foi esse amigo quem salvou a família da fome durante aquele período em que os meus pais amargaram na clandestinidade. O pai escrevia; as crônicas do pai saíam com pseudônimos; toda semana, ele recorria a um pseudônimo diferente, que disse ter aprendido com os heterônimos daquele poeta português.”
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“Todos, aqui na pensão, sabiam que eu mesmo pintava o calendário, dia após dia, eu mesmo chegava aqui e pintava com a letra x esperando chegar o domingo; eu ia pintando dia após dia, fazendo um x. Quando o domingo chegava, que maravilha, que alegria! Toda a vida deveria ser feita de domingos, cervejas e futebol, sem esquecer o churrasco e as caipirinhas. Mais uma, aí, camarada?”
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“Mas estava satisfeito com a minha menina.”
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“Agora ela se vai casar! Eu sempre gostei daquela colega que se ia casar; mas ela nunca percebeu.”
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“Antes, os jornais eram rios de sangue.”
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“E o que se podia fazer! Era a vida, era o que se aproveitava dela. Eu não achava que não?”
“A vida era só isso e nada mais.”
“Não era ambição; era ver a questão da sobrevivência por outro ângulo.”
...
“As vendas... as vendas! Vendas? As vendas, as vendas, só as vendas me interessavam; o resto era o resto, e nada conseguia me tirar do sério.”
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“Dia das Mães era uma dor no peito.”
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“Escrevendo outra crônica, meu pai? E ele me respondia com aquela voz macia: Perdi o sono, filha, perdi o sono outra vez; mesmo que tudo tenha ficado no passado, ele dizia, mas o passado sempre voltava como nos versos daquela música ‘Como Nossos Pais’.”
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“Conheci a minha mulher numa manhã de domingo.”
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“Eu zelava pela biblioteca, no seminário.”
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“Casamento era coisa estranha; vi isso no casamento desde cedo.”
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“Aonde pensavam ir esses jornais marrons?”
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“Eu não queria morrer sem poder.”
“Morrer sem poder era um castigo eterno.”
“Poder era tão doce.”
...
“O mar de vendas era onde eu navegava o meu barquinho.”
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“Eu estava a um passo de ser aprovada no concurso do Banco do Brasil.”
...
“A mãe, quando encontrava o pai na cozinha, nas altas madrugadas, sem sono, pensando no passado, sofrendo outra vez, chorando pelos cantos da casa, como se o passado voltasse sempre e o aterrorizava sempre, a mãe lhe dizia ‘Às vezes, uma boa cara feia era necessária’. O que a mãe queria proteger era só as crianças e o equilíbrio emocional na família, que ela dizia ser importante; sem a nossa mãe, a nossa família teria se desmanchado. ‘Às vezes, uma boa cara feia era necessária!’ e, somente assim, o nosso pai parava de choro e voltava às suas crônicas escritas, primeiro em um caderno pautado, desses de escola mesmo, e depois ele tinha o cuidado de passar tudo a limpo em sua Olivetti de estimação, antes entrega-la à redação do jornal.”
...
“Se me perguntasse a quem eu amava mais, a minha resposta todos já sabiam.”
...
“Criei no seminário um clube de livros.”
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“Eu ainda sonhava em me casar, e essas coisas todas.”
...
“Meu pai reclamava dos jornais dizendo que não ia mais ler jornal nenhum. Por quê? eu lhe perguntava. Quando não sujava as mãos de sangue, as sujava de merda! ele me dizia; mas continuava lendo. Eu estava me tornando igualzinho ao meu pai.”
...
“O perfume do poder atraía todo o mundo.”
“Não fosse hipócrita me dizendo que o poder não era bom.”
“Eu nunca disse isso!”
...
“Eu andava às léguas à procura de clientes.”
...
“Eu não podia me esquecer do beijo que recebi durante o sonho de manhã quando quase estava acordando; senti os lábios tocarem os meus e, descobri, era um beijo. Só não consegui identificar quem.”
...
“Quantas vezes eu não acordei ouvindo o teco-teco da Olivetti!”
...
“Como era bom amar o domingo de futebol.”
...
“No dia em que fui expulso, eu procurei uma igreja onde orei e jejuei.”
...
“Duas irmãs minhas se casaram e eram felizes; e só não me perguntasse até quando!”
...
“Eu só saía de casa depois que lesse o jornal. Ouvi-lo na tevê não era de meu interesse, e ouvi-lo no rádio também não me interessava. Eu queria pegar no jornal, sujar as mãos com aquela tinta e sentir o cheiro da tinta e do papel. Seria um cara morto quando não me fosse mais dado ao prazer de folhear jornais, de ler tabloides e standard.”
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“Eu via a toda hora na sala de aula, no laboratório da escola e no trabalho como eram tratadas as pessoas sem poder.”
“Se não fosse pelo poder, eu nem teria chegado até aqui.”
“Eu acordava e dormia pensando em como ter o poder necessário.”
...
“Se eu fosse calcular os sapatos que gastei indo atrás de clientes...”
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“Um dia, não ia demorar, todos os ratos seriam exterminados da face da Terra. Estávamos mesmo cercados de ratos por todos os lados; talvez fossem eles responsáveis pelos meus fracassos nos concursos que fiz.”
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“Eu dormindo; quando acordava e ouvia aquele teco-teco, eu já sabia: era o pai. O pai na cozinha lutando com as palavras; era o pai tirando de pedras outra crônica.”
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“Eu recebi de herança o que a minha tia mostrava no preparo de churrasco. O meu tio, irmão dele, herdou aquela mania de andar cheio de medalhas como se fosse realmente um general; logo ele que tinha medo até de barata, isto era o que falavam.”
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“Esse negócio de descanso era a maior mentira que já foi inventada. Achei que a vida tinha acabado quando fui expulso da igreja; entrei na primeira igreja que vi aberta e pedi luz; nos bancos da igreja, vi jornaizinhos e li, e encontrei uma lista de concursos públicos; foi um milagre. Eu sempre disse, desde o meu tempo de seminário, que esse negócio de descanso ainda era a maior mentira que já foi inventada. Prestei concurso, passei, fui chamado; mantive o meu poder.”
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“Não que eu priorizasse o casamento; priorizava mesmo era o trabalho, desde que o trabalho fosse entregando cartas, obviamente.”
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“Eu lembro-me de meu pai lendo jornal.”
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“O poder parecia uma maldição.”
“Isso dava azar!”
“Ouvi dizer.”
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“Último dia do mês, primeiro dia do mês, vendas, vendas, vendas; último dia do mês, primeiro dia do mês, contas, contas, contas; último dia do mês.”
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“Desde criança aprendi a me levantar cedo, cedo estava acordada olhando as telhas e pensando como seria o meu futuro. Não queria ser contadora; queria mesmo trabalhar no Banco do Brasil.”
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“Às vezes, em meio aqueles teco-tecos, eu encontrava uma desculpa, só mesmo desculpa de tomar água e essas coisas, então ia à cozinha arrastando as chinelas Havaianas no piso de cimento e passando a mão nas paredes; a casa toda escura, só havia luz na cozinha. Acordei, querida, o pai falava. Mas eu só estava ali porque gostava de vê-lo escrever, achava lindo a sua figura curvada sobre o papel criando as suas figuras, a sua realidade social reinventada, a sua política utópica possível, a cultura reavaliada e os seus doces protestos, as suas argumentações transparentes, tudo aquilo parecia um discurso jornalístico e não era, era como se fosse literário mesmo sem ser. Voltasse a dormir, querida, o pai falava amanhã. outro dia de aula, e tinha que levantar-se cedo. Obedecia ao seu pedido, e voltava ao quarto, e voltava à cama, num quarto onde dormíamos eu e todas as minhas outras irmãs; outra vez, o sono voltava, o sono voltava lento com aquele teco-teco que embalava o meu sono.”
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“Vida não girava em torno da família, girava em torno da bola.”
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“Só queria saber quem foi que inventou o dia de descanso! Nunca parei e fiquei olhando o céu e pensando quem foi que inventou o dia de descanso. Mas que o descanso era essencial, isto era; sem descanso estávamos mortos. Acaso não foi na Bíblia?”
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“Ontem fui a uma roda de samba. Que maravilha! Muitos dos colegas de trabalho estavam lá com as suas famílias sorridentes e cantando sem parar. Que fantástico! Eu disse a eles que em breve, pudessem todos esperar, quem estaria ali com a sua própria família seria eu.”
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“Ninguém podia chegar perto de meu pai, quando ele estava lendo jornal. O pai era que nem cãochorro próximo ao osso. Se alguém se aproximasse do pai na hora de sua leitura ele rosnava, ele enfurecia-se, ele gritava: Caísse fora! desaparecesse de minha frente!”
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“Se houvesse outra coisa, senão o poder, tão boa quanto o poder, vocês achavam que eu ia perder tempo em busca de poder?”
“Li tudo o que pude sobre o poder; até li que quando a gente sonhasse com o poder durante muito, muito, muito tempo, ele aparecia e ficava com a gente por muito, muito, muito tempo.”
“Ouvi falar.”
...
“Eu caí de paraquedas nesse negócio de vendas. Se fosse falar a verdade? Gostei.”
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“Todos, lá em casa, tomaram o seu caminho nas mãos e, com as rédeas às mãos, eles tomaram o destino como se doma uma fera; hoje, estavam todos bem, todos realizados, todos felizes, todos com as suas famílias, todos casados, todos com filhos, todos com netos, todos com a vida ganha. Eu ainda tateava, ainda sonhava em largar o trabalho de contadora e passar finalmente no concurso e ser chamada e trabalhar no Banco do Brasil, e passar os fins de semana talvez jogando sinuca na AABB, talvez tomando banho de piscina na AABB, talvez carteado, talvez de pernas pro ar porque finalmente realizei o meu sonho de não ser de ferro, de bronze, de prata, de ouro.”
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“Então, um dia, chegou à aposentadoria e alcançou a minha mãe, primeiro, e só depois alcançaria o meu pai, se ele tivesse continuado vivo; mas a morte veio antes da aposentadoria. A morte levou o meu pai, a morte levou o teco-teco.”
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“O maior investimento na vida era o jogar. E viva o futebol!”
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“Fim de semana em minha opinião foi uma invenção desnecessária. E eu cheguei ao seminário achando que fim de semana era uma invenção desnecessária. Como era estúpido pensar que fim de semana era invenção desnecessária.”
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“Aprendi que amizade estava sempre imanente à convivência. O que mais me atraía a essa pensão eram os almoços de domingo.”
...
“Nunca me esqueci desse episódio. O meu velho estava na sala de leitura lendo como de hábito o seu jornal. Nunca me esqueci. Entrei sem querer, e fiquei ouvindo a sua leitura em voz alta. Nunca consegui me esquecer. Ouvi-lo lendo foi tudo tão impressionante, que, com toda a idade que eu tinha hoje, com toda a experiência, com todo o fim do encantamento, com o fim do sonho provocado pela realidade, ainda carregava comigo a imagem do velho, a voz dele e tudo o que a ele dizia respeito. Ele lendo com a sua voz característica de besouro atrás da porta da cristaleira à procura de resto de queijo deixado no prato, desses pratos lavados às pressas na cozinha e guardado às pressas na cristaleira, prato guardado sujo, que atraía os insetos famintos. Nunca me esqueci. O velho lendo sobre o espetáculo macabro, os cangaceiros todos degolados, alguns ainda vivos, dizia a reportagem, após um cerrado tiroteio com a força a volante, os cangaceiros saqueados, degolados todos eles e levadas cabeças como troféus e prova do massacre. Imagens assim ficavam numa criança.”
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“Nunca escondi de ninguém que caçava o poder.”
“Esconder por quê!”
“Se a gente escondesse, o poder também se escondia da gente.”
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“Usei todos os transportes e andei todas as horas à procura de clientes; só as vendas me salvaram do inferno.”
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“No outono era costume dias tristes, como se nuvens pesadas baixassem e baixassem tanto, tanto que tocavam o solo, que cercavam todos em sua volta. Eu temia que hoje fosse um domingo assim: triste. Ou era essa caipirinha? Eu tinha que parar de beber, eu tinha que parar de sonhar, eu tinha que parar de construir castelos. Mas, hoje é Dia das Mães, e esses dias me deixavam assim.”
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“Nenhum de vocês fazia ideia de quanto o teco-teco me fazia falta.”
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“No início de tudo, início de nosso casamento, a mulher me acompanhava em meu futebol. O tempo foi passando, e as equipes foram fazendo aquelas marmeladas, os jogadores foram perdendo o interesse pela bola, o campo foi ficando pequeno, a trave se tornou invisível, pois ninguém conseguia mais fazer gol, logo as quatro linhas foram sumindo, perdendo a graça, perdendo o sentido, a aura, o pó sendo levado pelo vento; então, a mulher desistiu de acompanhar o marido nas partidas de futebol aos domingos. Isto foi uma tragédia em minha vida!”
...
“Uma vida só bastava; eu não era um tipo que andava à procura de outra.”
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“Minha mãezinha sempre com tanta dignidade com o seu cabelo curto e as suas meias de seda que realçam os seus pezinhos encantadores. Quando ouvi no grupo escolar onde eu estudava aquela história contada pela professora primária sobre Cinderela, falei aos meus coleguinhas que Cinderela era a minha mãezinha; eles ficaram ó! Era minha mãezinha, ali naquela história, porque eu ouvia a minha mãezinha contando que a história dela era exatamente assim como aquela história contada pela professora na aula; e aqueles sapatinhos de cristal eram dela; naquela época, eu dizia à minha mãezinha que quando eu ficasse grande, mãezinha, ia estudar e passar no concurso dos Correios, eu ia ser carteiro, mãezinha, e compraria com o primeiro salário um par de sapatos de cristal. Adivinhasse quem ganharia esses sapatinhos encantadores que seriam usados por pezinhos encantadores. Como amava a minha mãezinha.”
...
“A reportagem que ouvi o meu velho lendo, ela começava sobre alguma criança daquela região onde os cangaceiros foram emboscados. Na véspera, a tal criança havia juntado barro mole, barro de louça, e dele confeccionado balinhas e elas foram levadas próximas ao fogão a lenha; as balas de barro durante o calar por toda à noite tornaram-se ferro e a criança, na manhã seguinte, usava essas balas na baleadeira, saía com o embornal cheio de balas à caça de passarinhos.”
...
“Eu fazia tudo do meu jeito.”
“No fim, o que restava da gente era um túmulo e um nome numa pedra.”
“Então por que não aproveitava tudo isso enquanto a gente tava aqui?”
...
“Não podia me esquecer; e tinha que sair. Ir àquela praça, mas naquela praça os vândalos não permitia ninguém diferente deles.”
...
“Eu bem que devia sair daqui direto ao quarto e ouvir alguma daquelas fitas-cassete de Cash cantando talvez ‘Personal Jesus’, porque queria alguém que pudesse ao menos escutar as minhas preces; não conseguia encontrar realmente alguém que se importasse comigo nem mesmo no Dia das Mães. Liguei aos meus irmãos e eles só me desejaram que eu sumisse, pelo tom de voz deles. Era mesmo tudo um sentimento estranho no Dia das Mães.”
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“Essa manhã, eu acordei ouvindo teco-teco; me levantei correndo; era só um sonho, uma lembrança do meu falecido pai.”
...
“O sonho de criança era ser bombeiro, outra criança queria ser policial, um detetive em Londres, um detetive em Nova Iorque, só por causa de ‘Zé das Cruzes’, outra criança queria ser juiz e outra jogador de futebol.”
...
“Como eram adoráveis os fins de semana, fossem de sol ou de chuva.”
...
“A vida arrefeceu a gente de várias maneiras. E eu nunca mais tive tempo de visitar a minha mãezinha.”
...
“Embornal da criança cheia daquelas balas de barro de louça que a criança deixou pernoitar ao lado do fogo e, na manhã seguinte, elas tinham consistência de ferro”, dizia à reportagem que o velho lia em sua sala de leitura e silêncio. “Saiu à criança a caçar passarinho em volta de casa; afastou-se ainda mais a criança e continuou se afastando porque estava tendo êxito na caçada.”
...
“Era o poder quem permitia viver intensamente.”
“Sem poder, tudo era ruim, era péssimo, era doença e morte.”
“Mais cedo ou mais tarde, o poder entrava por aqui.”
...
“Depois que se acabaram as trocas, começaram as vendas. Sem vendas, nada do que existia poderia existir. Quis abandoná-las; minha avó passou a mão em minha cabeça: Quieta, meu neto, ela disse, quieta; e fosse ser vendedor na vida, e vendesse o mundo.”
...
“Mas quando eu passasse no concurso do Banco do Brasil, mas quando eu fosse aprovada no concurso do Banco do Brasil, mas quando tudo isso que eu passei fosse só passado...”
...
“Lá em casa, todos tinham consciência de classe; uma coisa que os meus pais abominavam era a ideia de lumpemproletariado.”
...
“Como me fazia falta aquele sabor de caqui.”
...
“O silêncio provocava uma dor na gente.”
...
“O embornal esvaziou-se das balas feitas de barro de louça e usadas na baleadeira à caça de passarinhos, e se enchia o embornal de passarinhos mortos pela baleadeira. Na volta da caçada, a criança se deparou com todos aqueles corpos de cangaceiros sem cabeça. Horrível quadro que, a princípio não foi identificado pela criança, ao aproximar-se viu o horror dos corpos perfurados de balas e punhais.”
...
“Você viu o ‘aqui’ dela?”
“Vi.”
“E não era pelo ‘aqui’ que o poder ia entrar?”
...
“Todo e qualquer vendedor, eu li num manual de vendas esses dias, tinha que seguir as três primeiras linhas, regras básicas dum vendedor: vender, vender, vender e receber pelo que se vendeu.”
...
“Os homens só querem diversão. Mais um pouco aqui em meu copo, com vivas ao Dia das Mães.”
...
“Compreensão do mundo que meus pais deixaram era uma gangorra entre fantasia e realidade. Tudo era motivo de interrogação aos meus pais e todos os motivos que foram a eles também eram aos seus filhos; meus pais não viviam sem perguntar por que, quando, como, onde, quando.”
...
“Eu ficava olhando o dia todo esperando o jogo começar.”
...
“Havia coisas que a gente não conseguia esquecer-se; colecionava alguns e quase sempre eu perdia o meu sono por causa dessa minha coleção que não conseguia descartar. Eu fui expulso da igreja num fim de semana.”
...
“As minhas paixões foram abstratas. Era o que o meu paizinho me falava.”
...
“A reportagem continuava mostrando as impressões que a criança teve ao deparar-se diante dos cadáveres dos cangaceiros que, dias antes, passou em sua casa e almoçou com os seus pais. A criança reconheceu os corpos das mulheres e dos homens, muitos despidos e sendo rasgados pelos bicos dos urubus.”
...
“Todo o mundo merecia ser feliz.”
“E não se estava pedindo muito.”
“Não, não. Só poder suficiente.”
...
“Em meus pesadelos, não conseguia vender absolutamente nada; batia nas portas, e só recebia porta na cara. E meus sonhos eram cheios de clientes comprando, fazendo pedidos, querendo mais.”
...
“Necessitava tanto, tanto que a felicidade batesse à porta do meu quarto. Chegasse logo o dia em que fosse aprovada no concurso e, fazendo parte da lista dos aprovados, fosse chamada e começasse a trabalhar numa agência do banco.”
...
“Eu tinha tanto serviço essa semana!”
...
“Ficava vendo tevê e esperando o futebol.”
...
“Minha vida sempre foi um amontoado de fins de semanas vazios.”
...
“Não levava muito em conta sobre paixões abstratas; talvez não levasse isso em conta até hoje.”
...
“O meu velho lia e fazia pausas. A criança estarrecida diante dos defuntos e o embornal cheio de passarinhos mortos. As pausas que o velho fazia eram pausas de espanto. A criança parecia ser o velho voltando à infância.”
...
“Era o poder quem podia livrar a pessoa de toda a fome que se podia ter.”
“Por que a gente não mudava de assunto, falava sobre o trabalho, a prova da próxima segunda-feira?”
“Eu não falava porque não queria trair o meu pensamento sobre ter poder com outro assunto que não fosse possuir poder, bastante poder, muito poder, um poder além de bastante e além de muito.”
...
“O vendedor era títere do produto que vendia? Os meus pés estavam me matando.”
...
“Trabalhar com contabilidade era de tirar o fôlego.”
...
“Eu tinha que dar conta sozinha antes; agora não; tinha essas duas que podiam ajudar no serviço da pensão; isso deixaria o meu marido mais tranquilo.”
...
“A sala em casa era governada pela realeza da minha mãe, que aparecia, saindo da cozinha e secava as mãos na roupa, jogava-se no sofá reclamando das dores nas pernas e ria à vontade, pois era a maior felicidade que a minha mãe sentia na vida era ficar no sofá.”
...
“O que tinha que acontecer, acontecia nos fins de semana.”
...
“Depois que cheguei e fiquei morando aqui na pensão, perdi contato com os verdes campos de minha terra. No princípio, sonhava em ser transferido; na verdade, queria... queria... queria voltar, ser transferido, morar em minha terra; nunca houve oportunidade; fui ficando, fui ficando... E há quanto tempo eu estava aqui!”
...
“Como uma poderosa e desconhecida força que vivia na Terra até antes mesmo da existência humana voltava de vez em quando e assustava? Havia, sim, uma poderosa força sem explicação, sem forma perceptível porque possuía vida imperceptível, certamente. Aquela poderosa e desconhecida força, o velho continuou lendo na reportagem especial de domingo sobre aquele espetáculo da criança diante dos cadáveres deformados, os cadáveres entre as pedras, todos abandonados na caatinga onde estavam eles, há pouco tempo vivos, rindo um com o outro, brincando, contando lorotas. Na reportagem, no miolo do jornal, com imagens de mapas, na segunda capa, textos com letras grandes, legendas sob as fotografias, depoimentos, testemunhos, descrições de corpos dilacerados pela selvageria da força. Aquela poderosa e desconhecida volante que vivia no sertão antes mesmo da existência do homem... Não poderia ser descrita assim, ele disse, como foi descrita nessa reportagem especial.”
...
“Vocês viram aquele hóspede novo?”
“Onde!”
“Não estava aqui agora.”
...
“Os erros eram sempre tragicômicos? Não tinha mais nem paciência nem saúde; todo dia na estrada, todo dia vendendo.”
...
“Todo ano eu ia à Juazeiro; ia a pé. A primeira coisa que faria com o primeiro salário do primeiro mês, que recebesse do Banco do Brasil, era comprar uma imagem de meu padrinho.”
...
“Já no domingo à noite, antes de dormir, eu e o marido planejamos o cardápio da semana: comprar o que estivesse faltando, dívidas a serem pagas, fornecedores, duplicatas, papagaios, o diabo!”
...
“Minha mãe e a minha mulher se deram muito bem; tiveram tanto assunto e tantos motivos comentando sobre atrizes, os atores e os enredos.”
...
“Me acusava, lá em casa, de ser falador; essa acusação me segue vida afora.”
...
“Houve um tempo em que eu quis comprar uma chácara.”
...
“Deveria mesmo haver uma força descontrolada e desconhecida, que habitasse a Terra há milhares de anos. Parte dessa força estava ali demonstrada naquele lugar onde cangaceiros foram degolados e cabeças levadas dali a algum lugar onde a força desconhecida continuaria a manifestar-se demonstrando o seu poder e apavorando pessoas. Era fácil identificar o mal: ele se fortalecia toda vez que apavorava pessoas, criava narrativas imaginárias, ameaçava com fome e guerra. A maior ainda era a falta d’água, como experimentava o sertão.”
...
“Isso era pura sacanagem! Falei só porque queria saber aonde ia a sua fidelidade ao poder.”
“Isso não se faz!”
“E eu acreditei?”
...
“Essa não era a cara de um vendedor apresentável; eu olhava a minha cara no espelho. Esse não era o jeito de nenhum cara, a cara de um cara que queria continuar sendo vendedor. Talvez, segunda-feira eu tirasse esse bigode. Como pude manter esse bigode por tanto tempo! E essa liga perdeu o elástico; minha barriga caía por cima das calças, a barriga já engoliu o cinturão e logo engoliria outras partes.”
...
“A vida se resumia na trova que o pai cantava enquanto fazia o almoço do Dia das Mães: ‘Quanto mais o tempo passa/Mais o tempo esfria/Quanto mais o tempo passa/Mais se aproxima o meio-dia’. Como o pai cantava, e como a voz do pai preenchia a nossa casa de alegria. A voz do pai preenchia todos os vazios, e nos fazia seguros e, certamente, confiantes de que a felicidade era uma coisa que não chegava nunca ao fim.”
...
“Finalmente, eu estava realizada.”
...
“Eu era só uma criança; eu e os meus irmãos. Eu ficava olhando os meus pais rindo; eles achavam graça de tudo.”
...
“No seminário, havia um rio, no rio havia peixes, nos peixes moradores do rio talvez encontrassem restos de deuses. Mas não gostava dessas brincadeiras durante as aulas o meu professor de latim, grego e aramaico.”
...
“Um alguém com as minhas qualidades não devia sonhar tão alto.”
...
“O sangue em toda a parte aonde eu fosse, sangue mesmo, e a criança tropeçando em sangue e em corpos de ex-bandoleiros das selvas nordestinas. Aquelas pessoas também haviam sido feras, feras que cederam lugar às outras feras, naquele poder que habitava esse mundo. A reportagem era extensa. E eu só conseguia lembrar de pedaços daquele assunto nas folhas de jornal. Vi o meu velho devorando aquelas palavras e fumando outro cigarro; suor descia na testa do meu velho, e eu tive medo de que ele me visse ouvindo atrás da porta a sua leitura em voz alta. Eu era criança, mas aquela leitura nunca saiu de minha cabeça; eu carregava trechos dela até hoje.”
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“Realmente, a prova na próxima segunda-feira é cheia de truques.”
“Não podia reprovar de novo nessa matéria.”
“Ao invés de sair hoje à tarde, a minha proposta era ficar estudando.”
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“Como eram gostosos esses torresmos! Será que tinha mais na cozinha?”
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“À tarde, bem mais tarde, o pai preparava a mesa, e era à hora do café da tarde, no Dia das Mães. Naquela época, eu tinha uma luz diferente.”
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“Talvez amanhã eu vá ao banco, pessoalmente.”
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“Minha mãe às vezes chorava. Não sabia dizer se ela chorava.”
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“Meu tempo de seminário, acreditava no conhecimento empírico, pois era o conhecimento da mamãe e do papai; e aprendi na cartilha do conhecimento religioso, no tempo de seminarista. Eu tinha as minhas escapadinhas, quando ninguém via, porque era pecado, às coisas do conhecimento mítico, e, lá, eu descobri que o conhecimento religioso era filho do mito; aí, aconteceu o julgamento e a expulsão, e só não me esborrachei porque segui o conhecimento científico.”
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“Qualquer vida perderia o sentido se, qualquer dia desses, se ouvisse dizer que as cartas se acabaram. O que fazia vida eram cartas, recebê-las e mandar resposta.”
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“Alguma coisa misteriosa me paralisou atrás da porta, ouvindo o velho lendo aquela reportagem especial de domingo. Sabia que, se ele me descobrisse ali atrás da porta, seria severamente castigado. Mas fiquei. Imóvel. Imobilizado pela história. Como se a gente não conseguisse viver sem histórias; sem ouvi-las, sem querer participar delas. Cabeças dos mortos que sumiram e os corpos sem cabeça, gente morta, tanta gente, antes viva, gente, que antes ia e vinha, falava, bebendo alguma coisa, comendo alguma coisa, gostando de alguma coisa, desgostando de alguma coisa; mas, agora, tudo chegou ao fim, elas, ali, não estavam mais vivas. E muita gente nem sabia que elas existiam, e talvez só soubesse agora lendo a reportagem especial de domingo que o jornal trouxe. E a criança nem conseguiu correr com o embornal cheio de passarinhos mortos; sentou-se numa pedra, ficou olhando aquele morticínio.”
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“Eu queria decorar tudo sobre aquela matéria, mas não consegui ainda.”
“Aqueles termos técnicos atrapalhavam.”
“E muito.”
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“Eu dava a minha vida por um torresmo assim.”
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“O amor do pai e da mãe era revolucionário. A força da mãe e do pai nos dava força; a mãe e o pai eram fortes. Aprendi a amar mamãe, aprendi a amar papai. E a bravura deles em defesa da família nos livrava do medo da morte. Pai e mãe comandavam a família com mãos de fada. Assim. Seguimos adiante? Seguimos. Um dia assim, uma hora assim, como fazia falta, pai, como fazia falta, mãe, a sua querida presença!”
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“Essas coisas andaram tomando rumos inesperados.”
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“Todo o fim de tarde era a mesma coisa.”
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“Ele estava em pé junto ao Nilo, a Bíblia disse em Gênesis, eu li, e do Nilo saíram 14 vacas vistas pelos olhos divinos daquele a quem se dizia faraó; a metade esquelética e a outra metade vendendo saúde. O Rei acordou do pesadelo quando as vacas esqueléticas devoraram as vacas saudáveis. Sendo o sono do Rei maior do que o do Rei. Ele caiu no sono, outra vez e outra vez, sonhou e, desta vez, sonhou que sete espigas de trigo cresceram na terra devastada e elas também eram devastadas, mas a mesma terra também deu outras sete espigas de trigo, e as espigas eram graúdas e cheias; e, outra vez, as espigas doentes devoraram as espigas com saúde. O faraó novamente acordou e lutou contra o sono, e não quis mais dormir, preferindo esperar pela manhã trazida pelo deus Rá. Nenhum sábio egípcio soube desvendar os sonhos do Rei, mas havia no palácio aquele jovem hebreu que sabia desvendar pesadelos; o faraó logo quis conhecer esse sábio desconhecido e o jovem José foi apresentado ao faraó desvendando todos aqueles pesadelos do rei porque se travavam de anos ruins que devoravam anos bons. E aquele jovem foi palacianamente recompensado com o bom emprego e recebeu mordomias em troca. O que não soube o Rei foi que os seus pesadelos eram causados pelas ameaças de fome ao Egito. e a interpretação feita pelo hebreu vinha do senso comum presente na crença do povo das reações da natureza de que também era um ser vivo como era uma árvore; era a interpretação de José, fruto da árvore da observação à natureza, resultado do conhecimento empírico, pois nascia na reflexão do povo. Séculos depois, escreveram livros que explicavam o que era explicado no conhecimento empírico.”
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“Se havia um tipo que eu odiava era um tipinho assim.”
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“Mas... e essa atriz! Essa não tinha visto. Desde quando ela era atriz? Ah, essa eu queria conhecer o seu trabalho. De qual país ela era?”
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“Deixei atrasar de novo o aluguel da pensão.”
“Os donos da pensão não paravam de olhar.”
“E por que não falavam mais baixo?"
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“Eu amava demais a vida.”
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“Esse assunto eu tinha certeza de que sabia tudo de cor, mas, por via das dúvidas, era bom ler até decorar vírgula, ponto, ponto e vírgula e pôr do sol.”
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“Hoje, essa noite prometia chuva, muita chuva, relâmpagos, trovões. Hoje, eu ia cobrir as minhas flores; não queria vê-las amanhã destruídas pela trovoada.”
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“Essa gente exigia demais com essas disciplinas. Nenhum profissional merecia tanto conteúdo.”
“Mas valia o sacrifício, se conseguisse realizar esse docílimo sonho em ser enfermeira. Não que eu quisesse aprender a aplicar injeção numa laranja!”
“Essa noite ia ficar outra vez acordada estudando Introdução a Patologia. E ainda tínhamos que levantar cedo, senão perderíamos o ônibus até o trabalho.”
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“Eu disse ao meu confessor: Se a igreja continuasse assim. Como assim? ele me perguntou. Então, eu disse a ele: Se a igreja continuasse assim, usando essas táticas de contratação, logo, logo a igreja iria sofrer. Como assim sofrer! Eu disse: Sofrer, ora, com essa crise de contratação! Não era contratação, ele me corrigiu; era vocação.”
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“Morada boa era em sua casa. Nunca gostei de apartamento. Antes de morar mais uma década aqui na pensão, eu daria um jeito de encontrar o meu lugar.”
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“Chegou uma época em Maceió, Maceió cheia de livrarias. Onde ia encontrar alguém lendo? Todos ganhavam no negócio de livros. Foi aí onde eu ganhei dinheiro; perdi tudo, como sempre; dinheiro nunca parava nas mãos.”
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“Já fui ameaçada duas vezes de receber a conta. Não poderíamos perder a hora, outra vez, nem o trabalho!”
“Ainda bem que a Escola de Enfermagem ficava perto do trabalho.”
“Mas você parava naquela loja de sapatos e ficava admirando.”
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“Tirasse essa garrafa da mesa antes que eu lhe fizesse um estrago.”
Fim de feira, Cleobulina ligou o rádio, na banca, na Feira do Passarinho, e foi contar o apurado daquele dia. O radialista anunciava a próxima novela radiofônica escrita por Marcello Ricardo Almeida, um dramaturgo alagoano. O programa narra a sinopse da nova novela a estrear em setembro:
Flora Tristan: sequoia da liberdade; com o marido numa casa alcoólatra, que riscou o seu destino a punhaladas em Paris de 1825. Sangue peruano de cores americanas, avó de Gauguin. Flora Tristan se derramou em palavras. Flora visionária, Tristan libertária das mulheres índias, das mulheres aristocratas; a sua bandeira se desfralda em novas palavras, porque a vida trazia dentro do corpo uma palavra.
A VIDA TRAZIA DENTRO DO CORPO UMA PALAVRA
ContosPor Marcello Ricardo Almeida 16/03/2025 - 20h 16min

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