Na Santana do Ipanema, de décadas passadas, 60,70. Em quase toda casa de família, tinha uma empregada doméstica. Na verdade, nem era considerada propriamente uma empregada na completa acepção da palavra. A maioria delas, vindas da zona rural, por alguma afinidade com seus “patrões”, que eram compadres, amigos da família, etc. Eram obrigadas a morar na residência dos seus apadrinhados. Gozavam de total confiança. Sabiam das mais íntimas particularidades dos membros da família. Voltando um pouco mais no tempo, vamos encontrá-las inclusive sendo ama de leite. Em alguns casos até parteiras. E aqueles filhos da patroa, aparados por estas, pois os partos aconteciam em casa, chamavam-nas carinhosamente de mãezinha.
Hoje em dia, a figura da empregada doméstica não existe mais, estão regularizadas como profissionais: Diarista, Faxineira, Babá, Engomadeira, Passadeira, Lavadeira, Jardineiro, etc. São agora chamadas de secretárias do lar, tem carteira assinada, com serviços e carga horária delimitada. Com direito a um dia de descanso semanal, férias, previdência social, FGTS e Rescisão de Contrato caso resolvam ir embora, ou sejam dispensadas.
E ai, daquele que lhes negar tais direitos. Agora só se encontra esse tipo de mão de obra, em empresas ditas terceirizadas.
Será que as empregadas e babás de hoje, são dedicadas como àquelas que levavam os filhos da patroa pra passear? Será que sabem cantar cantigas de ninar?
"Dorme nenen que a cuca vem pegar
Papai foi pra roça
Mamãe foi trabalhar
Boi boi boi
Boi da cara preta
Pegue essa criança
Que tem medo de careta
Xô xô pavão
Sai de cima do telhado
Deixe esse nenen
Dormir asussegado"
Havia também a costureira da família, mas isso é outra história.
Na nossa casa trabalhou Maria. Chegou-nos trazida por sua mãe também chamada,D.Maria. Sem instrução nenhuma, pois nunca tivera oportunidade de estudar. Parecia não ter o juízo muito certo. Vinte e poucos anos. Uma remanescente de quilombola. Eu e meus irmãos, Sérgio, Simone e Selma, éramos ainda crianças, tínhamos entre nove e doze anos. Fazíamos as tarefas escolares e a empregada por ali, curiosa. Perguntamos a ela:
- Maria tu sabe lê?
-Sei não.
-E contar?
-Contar, eu sei.
-Sabe nada!
- Sei sim: Um é um, dois é dois e três é quatro!
Algazarra. Menino não deixa passar nada.
Maria, foi mandada até a casa de Dona Espercina pegar o leite. Quando se mandava alguém muito avoada e bronca feito ela, fazer um mandado. Para que não se demorasse, era comum usar expressões como: “Vou cuspir no chão!” ou traga logo: “ É Um pé lá e outro cá!”. Ela foi. Já ia no meio da rua, quando um dos nossos vizinhos, Gervásio Carvalho, muito anarquista, ao vê-la com o balde na mão, lhe passa esse recado : - Maria! Pergunte se Dona Espercina, tem uma vara de pescar!
Disse por resenha, insinuando que ali acrescentavam água ao leite.
A casa aonde ela ia, ficava no início da Avenida Coronel Lucena, vizinho a atual escola Divino Mestre.
-É aqui que vende o leite de Dona Espercina?
-?!
-Quero dois litros: Um Pé lá e outro cá!
-?!
-Dixéro que eu perguntáve se a sinhóra tem vara de pescá!
-Como é a história!...
A pobre da Preta. Ouviu tanto desaforo que nunca mais quis ir buscar o leite.
*Fabio Campos 19/03/2010 *É professor Municipal e Estadual em Santana do Ipanema- AL.
Contatos: fabiosoacam@yahoo.com
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