Em 2007 fui designado para trabalhar em Quebrangulo. Por iniciativa própria quando lá cheguei, além das minhas funções, iniciei pesquisa dos costumes e tradições do lugar. Dentre inúmeras curiosidades culturais, constatei que além de ser a cidade natal do mestre Graciliano Ramos, realiza anualmente evento dedicado aos folguedos alagoanos, incluindo a aclamada dança-cortejo da terra, denominada “Negras da Costa”, manifestação cultural única de Alagoas.
Nega da Costa de Quebrangulo
“Negras da Costa é uma dança-cortejo em duas alas, sem enredo ou drama, composta por homens com o rosto e braços pintados de preto com carvão vegetal, vestidos de baianas, com roupas alvíssimas, enfeitadas de rendas, bicos e para completar a indumentária um torso, brincos, pulseiras e anéis de miçangas. São adaptações alagoanas dos Maracatus pernambucanos e sem nenhuma ligação com as religiões afro-brasileiras, que adquiriu sua tipicidade no carnaval, mas também se apresenta nas praças e nos palcos das festas católicas. O grupo traz a representatividade dos negros escravos que se vestiam como as negras para enganar os senhores de engenho do período escravocrata. Outra interpretação singular seria o fato da dança ser originária da Costa do Marfim, País da África Ocidental. Daí o nome “Negras da Costa”.
As Negras da Costa tocam bombo, caixa, ganzás e reco-reco e dançam. As músicas, geralmente são formadas por interessantes quadrinhas e cantadas repetidas vezes por todo o grupo. Pai Velho, Mãe Velha, o Dirigente e as Baianas ou Negras são personagens deste folguedo. O Dirigente veste terno completo, chapéu de palha e porta uma bolsa “de mulher”. O Pai Velho usa terno completo de cor preta e é incumbido de carregar nos braços a Calunga. A Mãe Velha, juntamente com as Baianas ou Negras, vestem-se com as roupas tradicionais de baianas e carrega um balaio cheio de flores e frutas na cabeça. Em Quebrangulo, o grupo Nega da Costa tem origem por volta do ano de 1910, fundado pelo mestre Basílio, descendente de escravos, com o objetivo de resgatar a cultura de seus antepassados que dançavam a Negra da Costa nas senzalas.” Atualmente é o único grupo reminiscente deste folguedo.
Negras da Costa, parte I: Clique aqui
Negras da Costa, parte II: Clique aqui
O mais interessante foi a descoberta que viria em seguida, pesquisando sobre as origens do folguedo: “Mestre Théo Brandão (1907-1981) na magistral obra “Folguedos Natalinos de Alagoas” contando com inquéritos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e com informações pessoais do folclorista maior, faz um levantamento completo de todos os folguedos folclóricos do Estado. Nesse levantamento realizado em 1957, é registrado o folguedo “Negras da Costa” em dois municípios Alagoanos: Santana do Ipanema e Mata Grande.
A pesquisa feita pelo IBGE e por Théo Brandão levou em conta, também, o livro do escritor santanense Oscar Silva, “Fruta Palma”, da crônica “Cinzas de um carnaval” de onde foram extraídas partes do texto para embasar o estudo, conforme descrito a seguir: “ ...Finalmente passava o tradicional “Negras da Costa” (...) rapazes vestidos de negras, saias e ancas de molambos, a girar pela cidade, dançando, rodopiando e torcendo os quadris (...) andavam, não pelo meio da rua, mas em (...) casas onde entravam para dançar”.
E transcreve as letras das músicas cantadas pelo grupo:
“Ô raio! Ô sol
Suspende a lua!
Nêga da Costa
Já anda na rua”.
Esta mesma quadra é cantada por palhaços de circo deste modo:
“Ô raio, o sol,
Suspende a lua,
Olhe o palhaço
No meio da rua”
A outra letra registrada pelo escritor, é também cantada em Quebrangulo:
“Nêga da Costa
Que anda fazendo?
-Ando na rua,
Comendo e bebendo
Identificamos vestígios contundentes para corrigir o período histórico em que o folguedo estava em atividade nos carnavais em Santana do Ipanema. Eis os indícios:
a) A crônica de Oscar Silva refere-se a contexto do início do século XX, provavelmente na década 1910-1920, embora seu livro tenha sido publicado em 1953 a primeira edição;
b) O autor discorre sobre o dia a dia das festividades, citando inclusive os rituais dos blocos carnavalescos, quem confeccionava os adereços e acessórios (Seu Hermídio), além das apresentações das bandas de música Aratanha, fundada em 1918 e extinta em 1925; do maestro Juvino, tio de autor e Carapeba, fundada em 1908 e extinta em 1926; do maestro Queirós, que faleceu em dezembro de 1924;
c) Outro detalhe importante foi o tempo em que a cidade dispunha duas bandas de música, cujas apresentações estão descritas na publicação. Período estimado entre 1918 e 1924;
d) Tadeu Rocha, escritor e jornalista santanense, faz a seguinte afirmação essencial sobre os costumes da família do sobrado e o convívio com o povo santanense, constante do livro Modernismo e Regionalismo: “Uma farta despensa completava-se com finos talheres, cristais e porcelanas, e o sobrado todo iluminado a bicos de acetileno ostentava um piano “pleyel” e um enorme gramofone inglês. No primeiro andar e no sótão residia a família do coronel Manoel Rodrigues da Rocha, verdadeira autoridade do município. A enorme sala de visitas fim-do-império, com cinco portas envidraçadas, abria para receber o governador Costa Rego, o governador Euclides Malta ou o arcebispo D. Sebastião Leme. Mas também os humildes clubes carnavalescos da cidade, com fantasias de “morcegos” ou “Negra da Costa”, subiam as escadas e dançavam livremente na ampla sala de visita.”
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Fragmentos dos folguedos santanenses
CulturaPor João Neto Félix Mendes 17/08/2020 - 10h 46min

Pastoril do Clube da Melhor Idade Nova Vida - Santana do Ipanema
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