Fragmentos dos folguedos santanenses

Cultura

Por João Neto Félix Mendes

Pastoril do Clube da Melhor Idade Nova Vida - Santana do Ipanema

Em homenagem ao dia do folclore, 22 de Agosto

Em 2007 fui designado para trabalhar em Quebrangulo. Por iniciativa própria quando lá cheguei, além das minhas funções, iniciei pesquisa dos costumes e tradições do lugar. Dentre inúmeras curiosidades culturais, constatei que além de ser a cidade natal do mestre Graciliano Ramos, realiza anualmente evento dedicado aos folguedos alagoanos, incluindo a aclamada dança-cortejo da terra, denominada “Negras da Costa”, manifestação cultural única de Alagoas.

Nega da Costa de Quebrangulo
“Negras da Costa é uma dança-cortejo em duas alas, sem enredo ou drama, composta por homens com o rosto e braços pintados de preto com carvão vegetal, vestidos de baianas, com roupas alvíssimas, enfeitadas de rendas, bicos e para completar a indumentária um torso, brincos, pulseiras e anéis de miçangas. São adaptações alagoanas dos Maracatus pernambucanos e sem nenhuma ligação com as religiões afro-brasileiras, que adquiriu sua tipicidade no carnaval, mas também se apresenta nas praças e nos palcos das festas católicas. O grupo traz a representatividade dos negros escravos que se vestiam como as negras para enganar os senhores de engenho do período escravocrata. Outra interpretação singular seria o fato da dança ser originária da Costa do Marfim, País da África Ocidental. Daí o nome “Negras da Costa”.

As Negras da Costa tocam bombo, caixa, ganzás e reco-reco e dançam. As músicas, geralmente são formadas por interessantes quadrinhas e cantadas repetidas vezes por todo o grupo. Pai Velho, Mãe Velha, o Dirigente e as Baianas ou Negras são personagens deste folguedo. O Dirigente veste terno completo, chapéu de palha e porta uma bolsa “de mulher”. O Pai Velho usa terno completo de cor preta e é incumbido de carregar nos braços a Calunga. A Mãe Velha, juntamente com as Baianas ou Negras, vestem-se com as roupas tradicionais de baianas e carrega um balaio cheio de flores e frutas na cabeça. Em Quebrangulo, o grupo Nega da Costa tem origem por volta do ano de 1910, fundado pelo mestre Basílio, descendente de escravos, com o objetivo de resgatar a cultura de seus antepassados que dançavam a Negra da Costa nas senzalas.” Atualmente é o único grupo reminiscente deste folguedo.

Negras da Costa, parte I: Clique aqui
Negras da Costa, parte II: Clique aqui

O mais interessante foi a descoberta que viria em seguida, pesquisando sobre as origens do folguedo: “Mestre Théo Brandão (1907-1981) na magistral obra “Folguedos Natalinos de Alagoas” contando com inquéritos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e com informações pessoais do folclorista maior, faz um levantamento completo de todos os folguedos folclóricos do Estado. Nesse levantamento realizado em 1957, é registrado o folguedo “Negras da Costa” em dois municípios Alagoanos: Santana do Ipanema e Mata Grande.

A pesquisa feita pelo IBGE e por Théo Brandão levou em conta, também, o livro do escritor santanense Oscar Silva, “Fruta Palma”, da crônica “Cinzas de um carnaval” de onde foram extraídas partes do texto para embasar o estudo, conforme descrito a seguir: “ ...Finalmente passava o tradicional “Negras da Costa” (...) rapazes vestidos de negras, saias e ancas de molambos, a girar pela cidade, dançando, rodopiando e torcendo os quadris (...) andavam, não pelo meio da rua, mas em (...) casas onde entravam para dançar”.

E transcreve as letras das músicas cantadas pelo grupo:

“Ô raio! Ô sol
Suspende a lua!
Nêga da Costa
Já anda na rua”.

Esta mesma quadra é cantada por palhaços de circo deste modo:

“Ô raio, o sol,
Suspende a lua,
Olhe o palhaço
No meio da rua”

A outra letra registrada pelo escritor, é também cantada em Quebrangulo:

“Nêga da Costa
Que anda fazendo?
-Ando na rua,
Comendo e bebendo

Identificamos vestígios contundentes para corrigir o período histórico em que o folguedo estava em atividade nos carnavais em Santana do Ipanema. Eis os indícios:

a) A crônica de Oscar Silva refere-se a contexto do início do século XX, provavelmente na década 1910-1920, embora seu livro tenha sido publicado em 1953 a primeira edição;

b) O autor discorre sobre o dia a dia das festividades, citando inclusive os rituais dos blocos carnavalescos, quem confeccionava os adereços e acessórios (Seu Hermídio), além das apresentações das bandas de música Aratanha, fundada em 1918 e extinta em 1925; do maestro Juvino, tio de autor e Carapeba, fundada em 1908 e extinta em 1926; do maestro Queirós, que faleceu em dezembro de 1924;

c) Outro detalhe importante foi o tempo em que a cidade dispunha duas bandas de música, cujas apresentações estão descritas na publicação. Período estimado entre 1918 e 1924;

d) Tadeu Rocha, escritor e jornalista santanense, faz a seguinte afirmação essencial sobre os costumes da família do sobrado e o convívio com o povo santanense, constante do livro Modernismo e Regionalismo: “Uma farta despensa completava-se com finos talheres, cristais e porcelanas, e o sobrado todo iluminado a bicos de acetileno ostentava um piano “pleyel” e um enorme gramofone inglês. No primeiro andar e no sótão residia a família do coronel Manoel Rodrigues da Rocha, verdadeira autoridade do município. A enorme sala de visitas fim-do-império, com cinco portas envidraçadas, abria para receber o governador Costa Rego, o governador Euclides Malta ou o arcebispo D. Sebastião Leme. Mas também os humildes clubes carnavalescos da cidade, com fantasias de “morcegos” ou “Negra da Costa”, subiam as escadas e dançavam livremente na ampla sala de visita.”

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