Em entrevista, o mestre pernambucano diz que começou a fazer aviãozinho e cavalo de pau, há 12 anos, porque estava desempregado
O artista popular José Francisco da Cunha, o Mestre Cunha ou J. Cunha, de Jaboatão dos Guararapes (PE), é um exímio construtor de brinquedos feitos com madeira, massa de modelar, arame, vidro e garrafas pet, entre outros materiais. Com este arsenal, ele produz aviões, cavalos, carros, foguete e outras máquinas e bichos ? às vezes uma máquina, um carro, por exemplo, com cara de bicho. Neste sábado e domingo, dias 26 e 27, J. Cunha estará em Alagoas para realizar uma oficina destinada aos jovens do município sertanejo de Pão de Açúcar, distante 190 km de Maceió.
É um trabalho que o mestre pernambucano realiza sempre, nas capitais e cidades do interior. Aqui um projeto do barco-museu No Balanço das Águas (braço do museu Coleção Karandash no rio São Francisco), contemplado pelo edital da Funarte, ?Programa Mais Cultura: Micro Projetos Rio São Francisco?, que levará, mais uma vez, o barco Santa Maria ao povoado ribeirinho pãodeaçuquente Ilha do Ferro. A bordo da embarcação, além de J. Cunha, o casal de artistas contemporâneos, proprietários da galeria Karandash e do museu, Maria Amélia Vieira e Dalton Costa.
J. Cunha, 62 anos, como disse ao telefone em entrevista para a assessoria de Comunicação da Coleção Karandash, começou essa vida de fabricante, ou melhor, de escultor de brinquedos populares por acaso. Isso há pouco mais de 12 anos. Operário da construção civil em Recife, em Jaboatão dos Guararapes e em outras cidades do Nordeste, mestre Cunha diz que estava desempregado quando lhe ocorreu a ideia. Na rodoviária da capital pernambucana, vendo aqueles bibelôs de madeira e acrílico, dotados de apelo regional (um barquinho, um cavalinho) que é para vender para turista, ele pensou: ?Vou comprar um pra ver como é que faz?. E assim o fez. E começou por aí novo trabalho, uma inédita carreira de artista que o levou a conhecer outros lugares e a descobrir a sua verdadeira vocação.
?Era um barquinho feito com a placa do coco. Foi o desemprego que me levou a fabricar os brinquedos?, reconhece Cunha, que é natural de Ipojuca (43 km ao sul de Recife), município colonial hoje mais conhecido pelos portos de Suarez e o agitado point Porto das Galinhas. ?No interior, trabalhei em engenho, roçando mato, cortando cana, enchendo caminhão. Na cidade, fui trabalhar na construção civil, em indústria, transportes...? Quer dizer, ele fez de tudo. ?Depois parei de trabalhar em firma.?
?Em 1989, a falta de emprego era grande e eu fui trabalhar por conta própria. Vendia pão na rua, vendia coco dentro do isopor e fui levando, fui levando...? De Jaboatão, foi para Recife, onde trabalhou na construção civil, viajando para outras cidades nordestinas, até que, finalmente, veio o estalo dos barquinhos e dos cavalinhos. ?Quando comecei a fazer os brinquedos, não vendi nada, mas fui estocando. Ainda fui oferecer na praia de Boa Viagem ? e não era brinquedo, eram esses enfeites de barquinhos. Aí, conversando com um camarada, ele sugeriu que eu me cadastrasse na prefeitura. Então eu levei a mercadoria e um pôster com a imagem das peças, que eram uma imitação daquelas da rodoviária ? mas somente o formato, porque tinham o meu jeito também?, esclarece Cunha, relembrando os episódios de sua saga artística.
HOMEM DO NORDESTE
A vocação, enfim, já havia sido revelada. ?Me dava prazer de fazer aquilo.? Então Cunha se cadastrou na prefeitura de Jaboatão dos Guararapes e foi espalhando os seus ?enfeites? aos quatro cantos. Até que chegou ao Museu do Homem do Nordeste, em Recife, que propôs que o artista fizesse uma oficina de brinquedos. ?Eles viram os meus enfeites e disseram, ?está muito lindo esse negócio?. E me levaram para fazer essa oficina de brinquedo?, conta o mestre, destacando que este foi o momento em que inventou suas primeiras peças criativas, ?o cavalo de pau e depois os aviõezinhos?. Foi também quando começou a fornecer as ?peças grandes?.
?Fui inventando, só não tinha a quem vender. Por consequência desse projeto do museu, um dos donos da galeria Brasiliana em São Paulo, o Roberto Rugiero, veio aqui, olhou e disse, ?vou levar?. Eu fazia aviões, carro, trator, navio. Ainda não eram essas peças grandes de 50 cm, 30 cm... Ele gostou e comecei a vender pra ele. Mas vendia muito barato, não dava para tirar o dinheiro da madeira. Era tão barato que foi o próprio Rugiero que sugeriu que eu aumentasse o preço.?
Hoje, os trabalhos de J. Cunha custam de R$ 3 mil a R$ 5 mil nas galerias do sul maravilha, como a Brasiliana de São Paulo, e a Pé de Boi, do Rio. Em Maceió, na galeria Karandash, Dalton Costa informa que as peças maiores, ?carros, aviões?, saem por R$ 1 mil a R$ 3 mil. ?As esculturas menores estão sem preço?, diz ele.
Então é isso. Mestre Cunha, o homem que descobriu seu talento no meio do caminho, orgulha-se do ofício que conquistou na maturidade e que lhe abriu as portas para o mundo. ?Já realizei essas oficinas de brinquedo no Piauí, Ceará, Maranhão, Bahia. Fiz em Delmiro Gouveia também, e em Piranhas. Para Fortaleza, já fui duas vezes. Tem trabalho meu no Dragão do Mar [centro cultural da capital cearense], em museus. Através da arte, conheci muitos lugares. É o que eu sei fazer melhor.?
OFICINA NA ILHA DO FERRO
Para a oficina em Pão de Açúcar, diz que apresenta um método fácil ?para o pessoal desenvolver?. Entre os modelos de brinquedos, os alunos vão aprender a fazer o cavalo de pau, o burrinho e o aviãozinho. ?Mas não é o avião de corda. O que eu vou ensinar é de puxar.?
Imperdível. Atenção, garotada de Pão de Açúcar, não deixe passar essa oportunidade. A oficina, ministrada nos dois horários, sábado (26) e domingo (27), no povoado Ilha do Ferro, é gratuita.
Depois desse trabalho no Sertão alagoano, Cunha diz que volta para o sossego de seu ateliê, em Jaboatão dos Guararapes, para continuar fabricando seus brinquedos. Projetos para 2013? ?Eu não planejo nada, eu deixo o tempo levar... Projetar o quê? Vou é deixar mais peças prontas...?
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