AUXÍLIO E COMODISMO

Pe. José Neto de França

Na linha do tempo de minha vida, desde que me dei conta de que era um ser de vontade própria, capaz de ver, ouvir, distinguir o bem do mal, o certo do errado, o justo do injusto, utilizar o dom da liberdade para fazer escolhas e colocá-las ou não em prática, dar a direção que quisesse a minha vida..., desenvolvi um senso de observação que tem muito me ajudado no que sou até o tempo presente.

Vi, quando ainda criança e pré-adolescente, isso na década de 60, a área verde, flora e fauna na região de Santana do Ipanema e região, que era predominante e maravilhava os olhos de quem ama a geografia do interior. Amava percorrer, a pé, nos fins de semana, o caminho entre a cidade e as propriedades de meus avós e tios. Era um pouco mais de duas léguas. Lá, na companhia de primos, primas e outros amigos, as brincadeiras, resenhas, exploração do ambiente natural era rotineiro, mas sempre repleto de novidades.

No período de inverno, pais e filhos se engajavam nas áreas próprias para o plantio, mas respeitando a preservação ambiental – mata nativa.

Foi assim que Santana do Ipanema e região se desenvolveu. Através da agricultura, principalmente do feijão, milho e algodão. E não poderia ser diferente, pois a agricultura é a base de qualquer economia.

Em 1970 aconteceu a grande seca no Nordeste. Muita gente com fome sede... O governo brasileiro criou algumas “frentes de trabalho” para ajudar a população carente e foi a salvação de muitos. A maioria dos açudes, melhoramento de estradas foram consequências desse auxílio. A população era ajudada, mas havia uma contrapartida. Teria que trabalhar nessas “frentes”.

Recordo que meu pai teve que vender a casa que morávamos para podermos sobreviver ao período de escassez de chuvas.

O tempo foi passando, os invernos melhoraram, com alternâncias de períodos de seca...

No ano de 1974, com a perspectiva de um excelente inverno, o que veio a se concretizar, meu pai arrendou um terreno e plantou feijão e milho. No acordo, o dono do terreno ficaria com a metade da lavoura colhida, e assim aconteceu. Mas a colheita foi tanta que com a parte que coube a meu pai, foi suficiente para ele comprar a casa que estávamos morando no momento, reformá-la, adquirir móveis novos e ainda guardar sementes para a alimentação e plantio no ano seguinte.

No final desse mesmo ano, viajei à São Paulo, capital onde residi por 12 anos, retornando somente no final de 1986.

Mesmo distante, acompanhei as mudanças em minha terra, tanto por relatos de meus familiares, como pelas visitas que fazia todos os anos nos períodos de férias.

As secas constantes associada a outros fatores socioculturais, favoreceram mais fortemente o êxodo rural para o urbano.

Algo que chamou a atenção foram os desmatamentos de vastas áreas rurais, ou para a criação de animais ou apara transformar madeira em carvão.

A partir de dessa fenomenologia – secas, desmatamento, êxodo rural para urbano etc. – somada aos incentivos governamentais, sobretudo sem a exigência de uma contrapartida, dos beneficiários, ou mesmo quando exigida, não fiscalizada, parece ter acontecido uma mudança de mentalidade onde muitos começaram a esperar ajuda – intervenção pública – sem vontade de assumir compromissos que lhes eram característicos para se manterem na dinâmica do progresso individual e coletivo.

Como exemplo dessa questão, aconteceu que certo dia, quando eu ainda era pároco da paróquia de Nossa Senhora da Penha de Cacimbinhas e de Minador do Negrão, em um ano de extrema estiagem, retornando de um compromisso pastoral, isso por volta de 15h, percebi em algumas casas ao longo do trajeto, homens deitados nas calçadas dos alpendres. Perto de uma das casas havia um pequeno açude que estava seco por causa do forte verão; inclusive havia muito barro acumulado dos anos anteriores.

Parei à frente da casa mais próxima do açude. Desci do automóvel, aproximei-me e saudei os presentes e começamos a conversar. Entre uma palavra e outra disse que já que não havia nada para fazer, por causa da seca por que as famílias próximas do açude não se juntavam, e aproveitavam para retirar todo aquele barro seco, deixando o açude limpo para que quando as chuvas viessem, ele pudesse acumular mais água? Dessa forma todas as famílias seriam beneficiadas.

A resposta me surpreendeu: “Isso não é competência nossa, mas da prefeitura!” Imediatamente eu questionei: “O prefeito utiliza a água desse açude quando ele está cheio? A prefeitura é beneficiada com essa água? Quem necessita dela para amenizar os sofrimentos da sobrevivência? São vocês e não eles! Logo, a iniciativa, necessariamente tem que ser de vocês e não do poder público. Ele até pode ajudar, mas vocês são quem tem que se interessarem por primeiro.”

Dois exemplos interessantes pude vivenciá-los em minha segunda paróquia: São Cristóvão de Santana do Ipanema.

Quando assumir essa paróquia, herdei de meus antecessores, entre tantos trabalhos sociais, um “Banco de Sementes” e um “Clube de Mães”.

O Banco de Sementes funcionava assim: havia um estoque de feijão que, na época do plantio, era “emprestado” aos pequenos agricultores. Eles retiravam a semente e se comprometiam a devolver, em dobro, após a colheita, desde que a lavoura não sofresse imprevistos. Se o inverno fosse fraco não haveria necessidade de devolução. Com isso era garantido a semente no ano seguinte. Esse sistema funcionou muito bem. Quando o governo começou a liberar sementes e os agricultores serem beneficiados com vários programas, sem compromisso nenhum, a procura foi diminuindo até perder o sentido da manutenção do Banco de Sementes.

Com personalidade jurídica própria, o Clube de Mães foi fundado no dia 1º de setembro de 1999 e teve sua inauguração dia 17 de novembro do mesmo ano. Funcionou em uma dependência do Centro Bíblico da Paróquia de São Cristóvão, todas as quartas-feiras das 14h às 17h, de fevereiro a dezembro. Seu trabalho consistia em dar às gestantes apoio psicológico e espiritual; ensinar as próprias gestantes a costurar, bordar, com todo material conseguido pelo Clube de Mães junto aos seus benfeitores, o enxoval de seus filhos. Além de festejar o Dia das Mães e o São João, cada final de ano havia uma confraternização com a Missa de Ação de Graças e a distribuição de prêmios. Com o advento dos programas de governo, as mães carentes perderam o interesse e o Clube de Mãe deixou de existir.

Atualmente, não somente a agricultura, mas outras ocupações perderam espaço; muitos vivem na ociosidade, acomodados no amparo governamental que é mais assistencialista que incentivador.

Outro dia, conversando com o dono de uma propriedade rural, em ano bom de chuva, perguntei se ele iria fazer o plantio que era de se esperar naquela circunstância. Ele me disse que não seria possível porque não estava conseguindo mão-de-obra. Nem seus próprios filhos queriam mais ajudá-lo. Realmente, lamentável.

Mais recentemente, conversando com um amigo que está construindo uma residência, perguntei como estava a obra e ele me falou que estava um pouco lenta em função da escassez da mão de obra. Inclusive, um dos pedreiros havia dito que tinha entrado em contato com alguns ajudantes que estavam sem trabalho, mas eles afirmaram que não tinham interesse, pois já estavam recebendo auxílio emergencial do governo...

Diante de tudo isso, não seria a hora de repensar esses programas/auxílios com algum tipo de contrapartida por parte do beneficiário?

Enigmas da vida...
EGO, ME IPSO!!!
[Pe. José Neto de França]

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