A VIDA SEGUE...

Pe. José Neto de França

Como é angustiante ver uma vida que, desde muito cedo esforçou-se por ser vida para si e para os outros, definhar; “viver” seu crepúsculo, prelúdio para o seu anoitecer.

É degradante, mas faz parte do existir humano.

Enquanto a possível “perda” se avizinha, um ponto de luz nos corações dilacerados “diz” para aqueles que ainda irão batalhar nos dias/anos que lhes restam, não se preocuparem, tanto porque, para muitos que estão declinando, tal anoitecer não será, de fato, noite, mas dia. Como diz São Paulo em 1Cor 15,51b “nem todos morremos, mas todos seremos transformados”. Se caminhamos de fato para Deus, nossa morte não será mais do que uma transformação. Receberemos um “xeque-mate” da vida, mas não perderemos o “jogo”; ao contrário, sairemos vencedores. O que deveria ser “eternamente noite”, será “eternamente dia”.

Minha mãe, meu mais preciosíssimo vínculo temporal, do nada, começou a entregar-se. Perdeu o estímulo; desligou-se de coisas que tanto gostava: ver TV, fazer seus caça-palavras, ler, folhear revistas, manusear brinquedos pedagógicos que colocávamos propositadamente ao seu alcance; sentar-se no banco que fica na calçada de casa e observar a rua e quem por ela passava... etc.

Pior: não quis mais alimentar-se! Desenvolveu uma espécie de fobia em ingerir alimentos sólidos, líquidos em geral. Há muito custo, minha irmã caçula conseguia fazer com que ela se alimentasse.

A assistência médica/nutricional foi intensa. Consultas exames, medicações... Dois médicos e uma nutricionista foram fundamentais: Dr Honório, Dr. Eraldo e Dra Suzana.

Apesar de todo aparato médico/familiar, senti que seu fim estava chegando. Visivelmente ela “desistiu” da vida temporal.

Ela, que até uns dois meses antes era lúcida, conhecia todo mundo, começou a alternar lucidez com momentos de esquecimento, confusão mental... Desconhecia pessoas, trocava o nome de pessoas, pedia a nós, filhos/as, que a “levássemos para casa”...

Nós filhos e profissionais da saúde fizemos o que estava ao nosso alcance. Infelizmente, poucos dias após ser diagnosticada com pneumonia, derrame pleural nos dois pulmões e arritmia cardíaca, exatamente a cinco dias de completar 97 anos veio a óbito.

Apesar de já esperarmos esse desfecho, o sofrimento foi grande para toda família.

Se “perder” um pai, faz nosso coração sangrar, “perder” uma mãe essa sangria ultrapassa os limites do coração e atinge nossa alma, nosso mais profundo ser.

Nos entristecemos, choramos, lamentamos, estressamo-nos... tudo conforme processo natural da vida temporal/existencial.

Mas, a fé em Deus e o amor com que amamos aqueles que se anteciparam a nós em sua ida para o eterno, instiga-nos a não estancar o nosso processo evolutivo, mas a, apesar dos entraves/desentraves, seguir adiante. Afinal, temos ainda um tempo que nos resta.

A vida segue!

Enigmas da vida!!!

[Pe. José Neto de França]

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