POR UM TRIZ

Djalma Carvalho

Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.

Há poucos dias, estive conversando com o conterrâneo Luís Bulhões, funcionário da Caixa Econômica Federal e também músico. Filho do Sr. Antônio Bulhões, ele possui vários irmãos, todos eles criados na casa vizinha à casa do padre José Bulhões. Ambas as residências situavam-se bem pertinho da ponte sobre o riacho Camoxinga, conhecida como “Ponte do Padre”, em Santana do Ipanema. Família bem educada e fundada em ensinamentos cristãos, mesmo porque havia um sacerdote católico praticamente em casa.
Sabe o leitor santanense que, para início de conversa, eu iria logo pedir ao Luís Bulhões notícias dos seus irmãos, Ângelo e Demóstenes, dupla lembrada na cidade, por suas traquinagens, por suas presepadas.
Sobre Ângelo, disse-me ele que o irmão já estava aposentado fazia muito tempo. Após desligar-se da Marinha, dedicara-se à atividade civil e que ia muito bem de vida, morando no Rio de Janeiro.
Nossa conversa girou, também, em torno de mágoas que geralmente o aposentado tem do serviço público, do seu empregador, sobretudo o aposentado de baixo salário. Salário quase sempre sem reajustes anuais, defasado pela inflação e, às vezes, até recebido com certo atraso.
Diferente é a mágoa de Ângelo, que ele ainda alimenta do seu empregador, segundo seu irmão Luís, não obstante passados muitos anos de sua aposentadoria.
Ângelo e Demóstenes, quando ainda jovens, chegando à adolescência, não pareciam filhos do Sr. Antônio Bulhões, que era homem sério, calado, de muito respeito. Seu irmão, padre José Bulhões, pároco de Santana do Ipanema durante 32 anos, era sacerdote que exercia grande liderança na sociedade santanense, sempre ouvido nos momentos de crise política e de segurança, sobretudo quando na cidade fora instalada a sede de combate aos cangaceiros de Lampião.
Os dois filhos de seu Antônio Bulhões, Ângelo e Demóstenes, pareciam capetas. E ponha capetas nisso! Traquinas e peraltas, com letras maiúsculas, eles pintaram o diabo no entorno da “Ponte do Padre” e adjacências, no bairro da Camoxinga. Mas não feriram ninguém nem causaram prejuízos a ninguém. Apenas peraltices engraçadas, fora de serie, dignas de registro.
Em crônica, já tratei desses endiabrados meninos e do que eles praticaram na cidade, registros que constam em alguns dos livros que publiquei. Muitas dessas traquinagens também ocuparam páginas do livro Meninos Danados, Levados, de autoria do meu irmão José de Melo Carvalho.
Ângelo, muito jovem, certamente ainda adolescente, foi levado para a Escola de Aprendizes-Marinheiros na Capitania dos Portos, em Maceió. Daí ingressou na Marinha, definitivamente, fazendo da carreira de marinheiro sua profissão, indo morar no Rio de Janeiro.
Quanto a Demóstenes, não anotei nenhuma informação atualizada, dada por seu irmão Luís. Sua história certamente caberá, também, em uma ou duas crônicas do mesmo gênero.
Designado para servir em determinado navio, Ângelo salvou-se por um triz de um grave e pavoroso acidente de trabalho, em que morreram dez ou doze marinheiros, seus colegas de trabalho e de farda. Todos eles haviam recebido tarefa a ser executada no porão do navio. Todos à frente de Ângelo, que retardara os passos por alguma razão, desceram a escada rapidamente até as caldeiras, que explodiram horrivelmente, matando-os todos.
Ângelo, que havia descido apenas um ou dois degraus da escada, recuara milagrosamente e salvou-se. Saiu ileso, sem nenhuma queimadura ou chamusco.
Ainda hoje ele lamenta o terrível acidente e não esquece a punição que recebeu logo depois, segundo relato do seu mano Luís Bulhões. Por que escapara, foi punido.

Maceió, janeiro de 2018.




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