O BAZAR DE SÃO SEBASTIÃO

Djalma Carvalho

Ele, Carlos, havia deixado o seminário muito cedo, como me assegurara. Sabia as quatro declinações e construía algumas frases em latim. Eu deixara o Sítio Gravatá, sabendo “ler, escrever e contar”, segundo informações dadas por minha mãe ao recenseador de 1950. Aprovado em exame de admissão ao ginásio, eu já cursava, em 1956, a 3ª série no Ginásio Santana.
Ambos, eu e ele, adolescentes. Ainda não havíamos completado 18 anos de idade. Encontramo-nos, como balconistas, em casa de ferragens e miudezas em Santana do Ipanema, no início de 1956. Éramos comerciários. Jovens indubitavelmente sonhadores, mas inexperientes, que não sabiam até então para onde os caminhos da vida os levariam.
Parece-me que o colega de trabalho Carlos era natural de Dois Riachos, cidade distante 15 quilômetros de Santana do Ipanema. Antes, a estrada entre as duas cidades era de barro, rodagem com buracos e poeira. Hoje, não. É estrada asfaltada de boa qualidade, encurtando distâncias.
O convite para o empreendimento me veio pela boa vontade e sonho empresarial do jovem Carlos. Ora, para qualquer empreendimento com o objetivo de lucro faz-se necessário, antes de tudo, planejamento, pesquisa de cenários e de mercado, estudo de demandas, custos, previsão de lucros, definição de ações, etc. Tudo propósitos indiscutíveis de economistas e do próprio fundamento do sistema capitalista.
O necessário planejamento, entretanto, estava apenas na cabeça de Carlos, como sonho de verão. Apesar disso, aceitei o convite.
Com a palavra empenhada, fomos à empreitada: montar um bazar na última noite da festa do padroeiro de Dois Riachos – São Sebastião – em 20 de janeiro daquele ano. Para Carlos, negócio muitíssimo fácil. Bastava localizar a banca do bazar na ampla praça da festa, comprar fios para a gambiarra, iluminar o ambiente, adquirir mercadorias em consignação e arrumá-las adequadamente à vista do público.
Pronto. Apenas isso para começo e sucesso da empreitada.
À noite, após a novena, o largo da festa fervilhava de gente indo e vindo. Tudo iluminado. Alto-falante da praça tocando músicas diversas, dando notícias e lendo avisos. Animação, como em toda festa de santo de interior, sobretudo no Nordeste.
Assim o fizemos. Daí, o início dos negócios, colocando-nos a postos.
Nossa gambiarra fora partilhada com outros proprietários de bazar. As solicitações atendidas danificaram a fiação. Os danificados fios, também adquiridos em consignação, não puderam ser devolvidos ao fornecedor, porque havia falhas em toda a extensão da rede elétrica.
Vendemos pouca coisa. Apenas o suficiente para nivelar receitas com despesas. Nenhum lucro, portanto. Como prejuízo, nosso trabalho, nosso cansaço.
Desastre. Trabalho em vão. Mas tentamos.
Perdemos o divertimento da noitada alegre, a frequência a bares, as rodas de amigos, o contato com bonitas jovens circulando na festa, o animado forró ao lado do bazar. Perdemos tudo, infelizmente, até a oportunidade de arranjar namorada naquela noite festiva.
Conosco, afinal, a experiência.
Tempos depois, com a minha mudança de emprego e a minha aprovação em concurso do Banco do Brasil, perdi o contato com Carlos, ex-colega comerciário, rapaz educado, fino, bom sujeito, boa praça. Espero que ele, hoje, esteja de boa vida por esse mundo de meu Deus.

Maceió, março de 2019.

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