Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras.
Segundo mestre Aurélio, fazer ouvidos de mercador significa “fingir que não ouve; não atender ao que se lhe diz ou pergunta; fazer ouvidos moucos”.
Exatamente isso que ocorreu com a minha sugestão, em forma de crônica, datada de fevereiro de 2011, publicada no portal do comendador Malta, intitulada A Rua de Moreninho.
Nela tentei, em vão, sensibilizar a sociedade santanense, particularmente por seus vereadores e a chefe do executivo municipal, no sentido de se corrigir uma injustiça. Sugeri, então, que se desse o nome de uma rua da cidade a Hermínio Tenório Barros, falecido farmacêutico, conhecido por todos como Moreninho.
Procedente de Quebrangulo, Alagoas, ele chegou a Santana do Ipanema em 1934, quando na cidade não existia médico. Então, com seus conhecimentos de medicina exerceu importante papel na sociedade santanense, ministrando remédios, curando, fazendo partos, pequenas cirurgias, salvando vidas, fazendo milagres. Atendia a pacientes na cidade e no interior do município.
Andei tratando do assunto com José Fontes Barros, filho do farmacêutico, e com alguns vereadores da cidade, mas até agora apenas o silêncio se observou sobre o assunto. Nos termos definidos por mestre Aurélio, fizeram-se “ouvidos moucos”, e o pleito teria, assim, morrido no seu nascedouro, infelizmente. A dívida de gratidão pelos serviços prestados à sociedade santanense ainda não foi resgatada.
O preâmbulo desta crônica nada tem a ver com o título acima, mas com o próprio farmacêutico. Doravante, Moreninho será tratado como protagonista de cena presenciada por muitos, ao lado da bilheteria do Cine Glória, cinema que existiu na cidade entre os primeiros anos da década de 1950 e meadas da década de 1960. Moreninho era assíduo frequentador do cinema.
Em sua farmácia, Moreninho atendia a todos bem humorado, sempre risonho, de boas gargalhadas. Elegante no trato e no trajar, não dispensava roupa de linho branco, de legítimo fio inglês.
Vivedor, boêmio, apreciador de serestas, o farmacêutico era desapegado de bens materiais, como os poetas sonhadores, preocupados que são com as belezas da vida, com emoções, com os momentos felizes. Como assim bem o disse o cantor Gonzaguinha: “Viver, e não ter a vergonha ser feliz.”
Quando ainda muito jovem, eu era assíduo frequentador do Cine Glória. À época, esse cinema era praticamente a única diversão da cidade, preferida pela mocidade santanense, como tal apreciadora do escurinho da sala de projeções, onde muitos namoricos prosperaram...
No final da década de 1950, por aí, o Cine Glória exibia o filme mexicano Não És Meu Filho, sucesso desse tempo, estrelado por Luís Aguilar e Carmelita Gonzalez. À entrada do cinema e ao lado da bilheteria, à vista de todos, fora posto o cartaz do filme a ser exibido.
Tendo chegado quase ao início da sessão, Moreninho recolhe seu bilhete e, apressado, dirige-se à entrada do cinema. De repente, um garoto estende-lhe a mão e lhe pede dinheiro para completar o valor do ingresso. Moreninho, andando apressado e sem tempo a perder, simplesmente aponta para o cartaz, dizendo-lhe, às gargalhadas: “Veja aí. Não és meu filho!” Episódio que ele, vez por outra, contava aos amigos.
Maceió, novembro de 2016.
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