Djalma de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras
Acabo de ler Memórias Religiosas de Santana do Ipanema (SWA 1ª Edição 2016), livro de autoria de José Walter da Silva Santos Filho, jovem seminarista católico que se considera cidadão de Santana do Ipanema. Li seu livro com todo interesse, como sempre o faço com edições que tratam de gente, de coisas e, sobretudo, da história de Santana do Ipanema.
O autor de forma inteligente e oportuna soube distribuir num volume de 180 páginas a história religiosa de minha cidade, contada a partir de 1836. Estendeu, assim, a pesquisa ao período que vai do pontificado de Gregório XVII (1831-1846), papa que dirigia a Santa Igreja à época da criação da freguesia de Santana do Ipanema, até o atual papa Francisco. Não deixou de relacionar nome de todos os bispos diocesanos daquela data até os dias de hoje. Dedicou, ademais, páginas aos padres que, no aludido período, estiveram à frente da paróquia de Santana do Ipanema, incluindo o padre Jacyel Soares Maciel, atual pároco da cidade. Vários registros iconográficos ajudam o leitor a melhor entender os fatos históricos cuidadosamente narrados.
Curioso é que a partir de 1879, pela religiosidade do seu povo, Santana do Ipanema tem estimulado a vocação sacerdotal de seus filhos, de tal modo que 24 santanenses foram ordenados padres. Muitos atualmente administram paróquias em Alagoas, no Brasil afora e outros se encontram a serviço permanente de arquidioceses, os chamados clérigos incardinados. Há um deles trabalhando como missionário na África.
Escrever memórias é narrar fatos históricos, depois de paciente e trabalhosa pesquisa ou consulta a arquivos e a documentos antigos. Assim o fez o seminarista José Walter, debruçando-se sobre diversos livros de tombo e documentos do Arquivo Público de Alagoas, além de outras fontes confiáveis, para escrever seu livro de estreia. Vê-se daí o mérito do jovem autor, promessa de vitoriosa caminhada que fará como escritor, como pesquisador, como memorialista.
Transitar pela história de Santana do Ipanema exige certos cuidados, porque os nossos antepassados nos deixaram sem memória. Há dados controvertidos sobre a fundação da cidade. Diria verdadeiro terreno movediço. O padre Teotônio Ribeiro, homem culto, erudito, pároco da cidade em 1883/1888, deixou-nos o Escorço Biográfico do padre Francisco Correia, o mais importante documento sobre a história de Santana do Ipanema, praticamente escrito com base na tradição, na oralidade.
Sobre o povoamento inicial, por exemplo, o pesquisador encontrará personagens históricos com nomes e sobrenomes parecidos ou trocados, talvez se tratando da mesma pessoa. Vejamos: 1 – O volume XIX da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, edição de 1959, dá-nos como “os que primeiro ocuparam terras desta região os irmãos Martins e Pedro Vieira Rego”; 2 – Padre Teotônio Ribeiro escreveu: “Quando Santana do Ipanema era um simples arraial, em 1787, chegou à região o padre Francisco Correia (...) que conseguiu levantar naquele mesmo ano uma capela (...) em cujos trabalhos de construção foi ajudado pelo abastado fazendeiro Martinho Vieira Rego.” 3 – O professor doutor José Marques de Melo, depois de longa pesquisa, e tendo consultado o historiador e professor Tadeu Rocha, afirmou em seu livro Sertão Glocal, página 92: “O fundador da cidade foi o evangelizador (referindo-se ao padre Francisco Correia), porque deu início ao processo de povoamento do local. Tudo começou quando o missionário ergueu uma capela em honra a Sant’Ana nas adjacências da foz do riacho Camoxinga, afluente do rio Ipanema, nos limites da fazenda de criação de gado de propriedade do sertanista Martinho Rodrigues Gaia.” 4 – O padre Capitulino de Carvalho (pároco em 1898/1918), referiu-se, em suas memórias (obra sob comentário, p. 132), à capela construída pelo missionário padre Francisco Correia, dizendo: “...quando a cidade de Santana do Ipanema era fazenda de gado de Martinho Vieira Gaia”. Equivocou-se, também, o padre político ao acrescentar: “... onde construí a igreja matriz”; 5 – Afinal, o historiador Tadeu Rocha (Sertão Glocal, página 93) foi categórico: “Santana do Ipanema nasceu em torno da igrejinha que o padre Francisco Correia levantou na fazenda de Martinho Rodrigues Gaia, nos fins do século XVIII.”
Quanto à capela que o missionário “conseguiu levantar naquele mesmo ano”, trata-se, na verdade, da igreja matriz de hoje, que passou por sucessivas reformas, acreditando-se que a primeira delas tenha sido realizada pelo padre Capitulino de Carvalho.
Não se sabe, porém, quem construiu, e quando foi construída, a igreja em ruínas do bairro de Bebedouro ou Maniçoba, bem distante que está das “adjacências da foz do riacho Camoxinga”.
Como marco da passagem do século XIX para o século XX (1800/1900), padre Capitulino de Carvalho construiu a igrejinha de Nossa Senhora da Assunção (e não Conceição) no bairro do Monumento, em frente ao Ginásio Santana, inaugurada com muita festa.
Segundo antigos moradores, na verdade existiu o cemitério a que se referiu o padre Mathias Antônio de Mello, pároco da cidade em 1882/1883. Referido cemitério localizava-se ao lado direito da igreja matriz da cidade, a partir do atual salão paroquial e do Museu Darras Noya. Demolido no final da década de 1880, outro cemitério foi construído no bairro do Monumento, onde hoje se localiza a igreja da Sagrada Família. O coronel Lucena Maranhão, prefeito no período de 1948/1950, a par do crescimento urbano, mandou construiu o Santa Sofia, e para lá transferiu os ossos extraídos desse cemitério, sob protesto de famílias da cidade.
Finalmente, de parabéns está o seminarista José Walter pela valiosa contribuição literária e histórica à mocidade estudiosa de Santana do Ipanema.
Maceió, agosto de 2016.
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