DERMEVAL PONTES E SERENATAS

Djalma Carvalho

Seguindo a oportuna e inteligente orientação de mestres escritores para reler bons livros, encontro em Frutas de Palma, do saudoso escritor Oscar Silva, à página 148, referência à família Pontes, oriunda de Águas Belas, Pernambuco, moradora em Santana do Ipanema, em 1921.
Conheci Agripino Pontes e seu irmão Dermeval Pontes.
Agripino, fora antigo músico da Banda Santa Cecília e funcionário da Prefeitura Municipal. Era casado com D. Durvalina, professora estadual.
Dermeval, mais que fino alfaiate era estilista, romântico e apreciador de serenatas. Fiz com ele boa amizade, embora o amigo tivesse, mais ou menos, meia dúzia de anos acima da minha idade.
Hoje, ofereço ao santanense a releitura da crônica “Serenatas de Outrora”, publicada em meu livro Chuviscos de Prata, edição de 2000, páginas 79/80, como segue:
“Soubemos, há pouco, que Dermeval Pontes havia falecido e que o carro de som de Zé Arlindo noticiara sua morte pelas ruas da cidade de Santana do Ipanema.
Sem mais nem menos, pessoas amigas começam a desaparecer abruptamente. Na verdade, deveriam elas permanecer mais tempo entre nós, porque foram pessoas bondosas, prestativas e que deixaram bons exemplos.
É o ciclo natural concepção-nascimento-vida-morte. Ninguém pode modificá-lo.
Vai-se o homem e fica sua história. Umas, fulgurantes, brilhantes, iluminadas; outras, simples, modestas, acanhadas.
A década de 1950 marcou-nos profundamente. Dela guardamos as melhores lembranças: a afirmação do jovem no esplendor dos vinte anos, cheio de sonhos e fantasias, esbanjando juventude e saúde. Fatos que ocorreram nessa época, ainda que insignificantes, continuam gravados em nossa memória, perfeitamente nítidos e cristalinos.
Por aí conhecemos Dermeval Pontes. Ele, mais velho, rapaz feito, mas que sabia relacionar-se com os jovens de sua época. Boêmio. Inteligente. Fala mansa. Criativo estilista de modas que ia além dos limites de sua alfaiataria ou ateliê. Desenhava e produzia fantasias para blocos carnavalescos, desfiles, quadrilhas, etc. Tudo fazia debaixo de absoluto segredo, como forma de garantia de sucesso.
Já meio maduro, casou-se com Emília.
Nos bons tempos, apreciava serenatas. Cantor de modinhas antigas. Com ele participamos de várias serenatas ao luar, tarde da noite, varando madrugadas, pelas ruas de Santana do Ipanema ou ao lado de janelas de jovens amadas ou admiradas. Aliás, prática salutar que mostrava o lado romântico das cidades interioranas, ainda não contaminadas pelas mazelas do progresso.
Numa dessas serenatas, chegávamos de mansinho à janela de uma senhorita, à época muito cortejada, residente na Rua Ministro José Américo e bem em frente ao beco de seu Marinheiro. Madrugada silenciosa. O violonista dedilhava a introdução de uma bonita composição musical e Dermeval começava a cantar. Os acordes e a canção espalharam-se pela rua, que dormia tranquila, calma.
De repente, a janela ao lado escancara-se bruscamente, parecendo despedaçar-se.
Interrompe-se a serenata. Susto.
Era o vizinho incomodado, jogando sobre os jovens românticos os mais violentos impropérios. E, de revólver em punho, obriga-nos a correr em disparada. Aguardava-se a qualquer instante o estampido de um tiro em nossa direção. O barulho do violão roçando as paredes do beco estreito e o “tropel” dos seresteiros em polvorosa ainda hoje parecem soar aos nossos ouvidos.
Perdemos a noitada de serenata. Mas, para trás, deixamos a plenos pulmões, e a uma só voz, a seguinte mensagem que ecoou fortemente em toda extensão da antiga Rua do Velame:
– Chi-fru-do!!!”

Comentários