BRIGA DE GALO

Djalma Carvalho

Outro dia, num belo texto da jornalista e escritora Arlene Miranda, li o seguinte: “Quem não guarda no mais profundo da alma uma saudade-criança?”
De minha parte, também tenho saudade do meu tempo de criança. Não esqueço muitos fatos, aparentemente tolos, que aconteceram durante o tempo vivido no sítio Gravatá, em Santana do Ipanema, onde nasci e onde não existiam então tantas coisas boas somente encontradas na cidade.
O sítio Gravatá era o meu mundo maravilhoso, meu mundo de criança feliz. Lá mesmo, aprendi a nadar, tomando banho de riacho; lá mesmo, aprendi a me encantar com as poéticas madrugadas sertanejas, com o cantar dos passarinhos, com o crepúsculo vespertino e com a lua cheia, linda e resplandecente, que nascia por trás da serra; e nas manhãs de lá, muito cedo, aprendi a tirar leite no curral, ordenhando as mansas e pacientes vacas do meu pai. Tenho saudade, afinal, daquele céu estrelado e do langor das noites escuras do lugar.
Nunca me saiu da memória o fim trágico do meu galo de briga, presente de criança de minha avó Bilia, que morava na cidade. Num belo sábado, talvez lá para a segunda metade da década de 1940, dela recebi o especial presente. Galo novo, ainda magro, mas reconhecidamente valente e aguerrido. Naquele mesmo dia, desafiado, levei-o a confrontar-se com o famoso galo de briga do vizinho de rua. Para desconforto do meu amigo de infância, a vitória ficou do lado de cá. A desforra, porém, ficara combinada para o sábado seguinte, quando meu pai me levaria novamente à cidade.
Dizem os historiadores que briga de galo é prática milenar. No Brasil, esse esporte popular data de 1530, e daí até 1960 transcorreu sem problemas, apesar da Lei das Contravenções Penais, de 1941. Aconteceu, porém, que o presidente Jânio Quadros, que proibira o beijo em público e o uso de biquínis, também proibiu por decreto a briga de galo. Embora revogado seu decreto, o esporte popular continuou sob a condição de “concessão velada por parte do Estado” até que a Lei 9.605/98 revogou tudo o que anteriormente tratava de crimes ambientais e de maus tratos. Mas, segundo o pesquisador Fabrício Marinho, “a partir de 2005, (...) com a invasão e pressão de ONGs e ambientalistas, começaram as perseguições aos galistas através das operações da Polícia federal”. Segundo os entendidos, na briga de galo não há crueldade ou maus tratos, porque os galos brigam por instinto da própria raça. Crueldade há, entretanto, nos abatedouros, quando cabeças são decapitadas num funil, sem qualquer defesa das aves.
Nas rinhas, as apostas e o jogo de azar poderão até ser proibidos. Contidos, também, devem ser os palavrões e as acirradas discussões entre torcedores. Meu colega de trabalho, o Pereira, por exemplo, deixou de freqüentar as rinhas, porque seu galo de briga, uma vez derrotado, fora logo chamado, aos gritos, de galo de corno.
Pois bem. Ansioso, pedia eu que o sábado chegasse depressa para a desforra combinada. Mas o trágico mudaria o rumo da história, e o meu choro de criança não seria contido naquela manhã, quando retornei à cidade. Para minha tristeza, meu galo de briga, com o qual sonhara a semana inteira, havia sido atropelado e morto. O caminhão o esmagara na antiga Rua do Velame, em Santana do Ipanema.
Maceió, janeiro de 2011.

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