Nas eleições de outubro de 1954, para deputados e senadores, um pelotão do Exército, garantidor do pleito, desceu em marcha lenta pela Rua Coronel Lucena, centro de Santana do Ipanema. Logo mais adiante, os militares seriam destinados a distritos e cidades vizinhas.
Lembro-me de que no pelotão se encontrava Luiz Nogueira Barros, mais santanense que de Pão de Açúcar, onde nascera. Jovens da cidade, como eu, reconhecendo-o, apontavam-no na tropa em marcha.
Luiz Nogueira Barros hoje é médico, escritor, jornalista, cronista, pensador político, membro da Academia Alagoana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e autor de três livros publicados.
De há muito tempo, somos amigos. Sou admirador deste ilustre intelectual alagoano. É autor do prefácio do meu livro de crônicas – Caminhada, editado em 1994.
Sugeriu-me, então, para ler, o volumoso livro Boca da Grota – Reminiscências (533 páginas), publicado em 1970, de autoria de Carlos de Gusmão (1885-1974). Com certa dificuldade, em vista da edição esgotada, adquiri um exemplar em alfarrábio, em Maceió.
Por cerca de trinta anos, conservei guardado em minha estante, intacto, o livro do ilustre escritor. Agora, a pandemia fez-me iniciar sua leitura, tão logo acabara de ler o longo prefácio de Teotônio Vilela, que disse: “Facilmente a gente sente encontrar em seu livro o cronista, o poeta, o pensador político, o jurista, o filósofo, o historiador. Na verdade ele é tudo isso e mais alguma coisa.”
Memórias, relembranças e reminiscências são temas com significados semelhantes, preferidos dos meus escritos e das minhas leituras. Lendo o livro, encontrei-me na minha seara literária.
Filho, neto, bisneto e trineto de senhor de engenho, Carlos de Gusmão nasceu no Engenho Castanha Grande, município de São Luís do Quitunde, norte de Alagoas. Seu pai, Messias de Gusmão, foi senador federal e deputado por vários mandatos.
Carlos de Gusmão bacharelou-se em Direito em 1909, no Rio de Janeiro. Em Alagoas, começou sua vida pública como oficial de gabinete do governador Clodoaldo da Fonseca, no período de 1912 a 1915, e secretária da fazenda no governo de Batista Acioli, de 1915 a 1918. Daí até 1950, como político, escritor, jornalista e observador, viveu meio século da história política de Alagoas, tratando de fatos, de lutas, de violência, conhecendo de perto seus principais protagonistas, aí incluídos, após a Revolução de 30, os ilustres membros da família Goes Monteiro. Seus relatos passam, também, pelo clima de perseguições, violências e desmandos do governador Silvestre Péricles, considerado, segundo o livro do deputado Oséas Cardoso, “Um Vulcão em Alagoas”.
Em 10 de novembro de 1937, Carlos de Gusmão, então deputado federal, teve seu mandato cassado com o advento do Estado Novo, instituído por Getúlio Vargas.
O livro, afinal, é um desfile de acontecimentos políticos em Alagoas a partir da Proclamação da República. Desfile histórico que se estende, por vezes, aos anos finais da segunda metade do regime imperial brasileiro.
Entre muitos outros, Carlos de Gusmão exerceu os seguintes cargos públicos: consultor geral do Estado, procurador da fazenda estadual, juiz do Tribunal Regional Eleitoral, professor da Faculdade de Direito e, finalmente, Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas.
São do seu tempo, por exemplo, Guedes de Miranda e Demócrito Gracindo, monstros sagrados da oratória alagoana, de retumbantes improvisos.
Falava fluentemente francês e tinha como hobby criar caricaturas.
Era o advogado inscrito na OAB-AL com o número três. Disse, saudoso, Carlos de Gusmão: “Advogado é a minha mais grata lembrança da atividade que exerci.”
Ao concluir seu livro, escreveu: “Ponto final das minhas andanças pela vida. Ponto final de uma longa travessia. Vi pessoas, episódios, acontecimentos. Coisas objetivas e subjetivas. Vi ideias, conceitos, ensinamentos. Vi impressões e vi valores. Vi tanta coisa mais.”
Foi-me prazeroso ler as reminiscências do livro Boca da Grota.
Maceió, janeiro de 2021.
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